Meus Gostares.

Gosto desta timidez polaca que nos faz atravessar a rua para evitar o cumprimento ao amigo que vem lá. Somos tão reservados que se víssemos a própria sombra caminhando em sentido contrário, desviaríamos. E, sem olhar para trás, o traço grosseiro que trazemos atávico diria alguma maldade.

Gosto da aspereza germânica que nos faz economi­zar elogios, nesta cidade em que rudeza e franqueza são sinônimos, as críticas sempre a cortar rente. Também da grossura italiana de Santa Felicidade, onde a comida não é lá essas coisas, mas hábito mais curitibano não há.

Gosto de cada gente que aqui se instalou, umas pelo exposto, outras pelo que não expõem. E todas pela coragem de fazer desta terra de céu cinzento um lugar agradável de viver, exceto pelo carnaval canhestro e pela barbeiragem generalizada no trânsito, embora pequenos defeitos quem não os têm?

Gosto de tantas coisas que me falta caráter para reduzir os gostares a um ou outro. Sou assumido infiel em relação a bares, restaurantes e ritmos musicais, inverso da fidelidade que sempre dediquei ao Paraná Clube e seus antecessores, desde que pelos olhos de meu pai acompa­nhei o Ferroviário campeão em 1944.

Sei haver bons lugares para o nosso desfrute, nestes milhões de quilômetros quadrados que os portugueses encontraram sem jamais entender muito bem. Mas eu estaria perdendo minhas referências se daqui saísse. Se um domingo qualquer fosse procurar alcatra de churrascaria curitibana, encontrando rodízio paulista.

Sim, confesso-me eternamente curitibano, razoável jogador de truco, vale a vira, uma carta de cada vez, andari­lho de parques, freguês de cinemas, livrarias.

Lamento a falta que me fazem sol, mar e calor, talvez não nesta ordem. Ainda assim, dobro a esquina, ajeito o jornal debaixo do braço, desço a Rua XV. Pelos anos que me restam, quantos sejam, seguirei curitibando solitário.

Ernani Buchmann, do livro Onde Me Doem Os Ossos (2003)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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