O rosto da história

Neste 29 de março, aniversário de Curitiba, a Prefeitura vai entregar à cidade uma série de esculturas onde o artista Elvo Benito Damo retrata os primeiros e principais vultos históricos desta Vila de Nossa Senhora dos Pinhais. Naquele dia, algum desavisado poderá reconhecer traços familiares na expressão de algumas das obras em bronze, e dirá ressabiado: “Esse Gabriel de Lara é a cara do polaco Sérgio Kirdziej!’

Gabriel de Lara foi o capitão-mor fundador de Paranaguá. Em 1668, recebeu das mãos de “trinta homens bons” o pedido para erguer o pelourinho que simbolizava a submissão ao rei e o nascimento de Curitiba, vila que lhe brilhava nos olhos: em 1646, o bandeirante já tinha descoberto ouro em “cinco ribeiros” nos campos do primeiro planalto paranaense.

O polaco Sérgio Kirdziej é artista plástico, professor de pintura da Escola de Belas Artes do Paraná. Em comum com Gabriel de Lara, só deve ter a barba e a paixão pelos pinheirais, preservada em suas telas. No entanto, foi ele o escolhido pelo escultor Elvo Benito Damo para emprestar sua feição ao capitão-mor mandatário das quarenta léguas da costa do sul.

Formado pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, ex-aluno de Francisco Stockinger, e orientador do ateliê livre de escultura da Fundação Cultural de Curitiba, o escultor Elvo Benito Damo tomou emprestado o rosto de dois outros contemporâneos para perpetuar em bronze os vultos da história, como se fossem os próprios, na falta de registros iconográficos da época.

O ouvidor Rafael Pires Pardinho foi o primeiro Jaime Lerner de Curitiba. Em 1721, mudou a rotina da vila ao ensaiar o atual traçado das ruas de Curitiba. Estabeleceu que as casas não poderiam ser construídas sem autorização e as ruas já iniciadas teriam que ser continuadas, para que a vila crescesse com uniformidade.

Elvo Benito Damo escolheu para modelo do ouvidor Pardinho um guardião do patrimônio natural, o advogado e ecólogo Henrique Schmidlin, o popular Vitamina. Elvo não poderia ter feito melhor escolha: foi o ouvidor Pardinho a primeira autoridade a se preocupar com o meio ambiente de Curitiba, determinando que os habitantes tivessem determinados cuidados com a natureza. O corte de árvores, por exemplo, só poderia ser feito em áreas delimitadas.

Erwin Grieger nasceu na Áustria e trouxe o alpinismo técnico para as montanhas do Paraná. Aos 90 anos, e ainda escalando montanhas, mantém um paredão-escola na Serra do Mar e lá ensina técnicas de alpinismo. Erwin Grieger cedeu seu rosto à história, que a posteridade vai reconhecer como o rosto de Matheus Leme: em 29 de março de 1693, graças à iniciativa de sua população que somava “90 fogos”, Curitiba efetivou o “pelourinho” e o capitão povoador Matheus Martins Leme promoveu eleições, dando ao povoado a condição de vila.

Os grandes mestres da história da arte retratavam seus contemporâneos para dar uma face aos ícones do passado. Um deles foi Rafael, no afresco “A Escola de Atenas” (1509-1511). Pintado a pedido do papa Júlio II para a Biblioteca do Vaticano, é a expressão do Renascimento. Recolocando o homem no centro do universo, a obra de Rafael expressa o saber, a ciência e a arte, com seus personagens emblemáticos: Platão, Aristóteles, Pitágoras, Euclides e muitos outros, em um total de 56 figuras. Rafael se auto-retratou ao lado de Ptolomeu, fez Heráclito com o rosto de Michelangelo e Platão com a cara de Leonardo da Vinci.

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Índio Tindiquera, Gabriel de Lara, Ébano Pereira, Matheus Leme, Baltazar Carrasco dos Reis, ouvidor Pardinho, Zacharias de Góis e Vasconcelos, João José Pedrosa, Afonso Botelho de Sampaio e Souza, Francisco de Paula Gomes, o Barão do Cerro Azul e Cândido de Abreu. Elvo Benito Damo vai entregar à cidade estes novos habitantes, nascidos do barro para o rosto da história. Dante Mendonça (11/02/2007) O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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