Observo que os sabiás-laranjeiras, bem antes do notívago sono do croniqueiro, já ecoam no arrabalde o seu canto. Tivesse eu o talento dos haicaístas supremos do Oriente, faria como Kobaiashi Issa (1763-1827) com a cotovia que, lá do outro lado do mundo, também anuncia a primavera: “Neblina ao sol/coração ligeiro/- o canto da cotovia”.

Haicai
e estações do ano se confundem. Constituem, aliás, a própria razão de ser dessa forma breve de poesia, o máximo no mínimo, o riscar de um fósforo, capaz de provocar, na mão dos mestres, muita vez, incalculável incêndio. São chamados “kigô” a palavra, a idéia, o ideograma que sugerem a estação que o poeta deseja celebrar. Ninguém, no Brasil, foi mais fiel aos “kigôs” quanto nosso imenso Paulo Leminski. Nem o pioneiro haicaísta Guilherme de Almeida!

Lembro do Paulo a berrar ao telefone, tarde da noite, naquele janeiro que os anos não trazem mais: “O kigô do verão, Bueno!” E com a modéstia que lhe era característica, a acrescentar: “Sou o maior haicaísta brasileiro! Veja só: “Entre os meninos de bicicleta/o primeiro vagalume/ de 1987”. Rima rara, cara:
87 com bicicleta!”.

De fato, a rima era rara e mais raro ainda o verão daquele ano em Curitiba: calor estagnado, nenhuma folha a mexer nas ruas ou nos quintais. Curitiba, a fria, quando dá para arder no execrável estio é alguma coisa para além do inferno. Não combina, nossa hibernal cidade, com a lassidão estival. Sou como o Almir Feijó, pudesse montava escritório no Pólo Sul. Passível de troca, sim – com o
Pólo Norte.

E a crer nos calendários, posto que os humores do tempo estão aí para nos causar surpresas, nesta segunda-feira, 22, temos oficialmente o início da primavera. Onde os bailes da estação, tão comuns pelo passado, meu dileto Dalton Trevisan? Você que viu a geada negra em Curitiba e ora, ainda que contra-vontade, é candidato a vice-prefeito. Mas também, queria o quê?

Anticandidatura só contra-vontade… Né mesmo, Dante Mendonça? A floração dos gerânios, nas sacadas deste Palacete do Tico-Tico, o micro-sobrado onde vivo – ao lado, sabiam?, da Biblioteca Escolar Jamil Snege -, já escandaliza os transeuntes. Não sei se o Turco, que acreditava piamente em alma d’outros mundos, anda a admirá-los, ele que amava até a beleza das pimenteiras em flor… Mas sei que provocam, “sorry”, o comentário da rua…

E como anda por aí meu mais recente opúsculo, a reunião de tankas, Pincel de Kyoto (São Paulo, Lumme Editor) deixo aqui, ao final destas mal-traçadas, esta notícia de primavera: “bem-te-vi implicante/no alpiste pardais em festa/e o rumor cantante/de cima do muro insiste/mais alpiste, mais alpiste”.

Wilson Bueno (21/9/2008) O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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