Pradinho

Não, ele não iria morrer bêbado numa valeta qualquer de Curitiba. Vai para São Paulo, passar alguns meses na casa de Alberto e Ione Prado. Sou poeta, sinto muito, disse Alberto. E imediatamente dão início ao processo de livrá-lo do álcool, já consumido em doses excessivas, evidente em sua aparência.
Espíritas, levaram-no às sessões de cura, passes sucessivos,
conversas francas sobre o assunto, passeios, caminhadas pela cidade que não podia parar.
Em uma sessão mediúnica, psicografa um belo poema, sem saber de quem. À mesa, diz: Claro que isso é um poema, é meu, sou poeta. Silêncio. Ele havia psicografado um poema e dissera ser
seu. Terminada a sessão, procuraram pelo poema. O papel sumira e ele não lembrava mais do que escrevera. Estava sem beber há algum tempo.
O tempo passava devagar para a antena da raça. Sem beber, agarra-se à esperança. Aqui em Curitiba, eu bebia, por mim e por ele, sem saber, agarrado à mesma esperança.troquei de mãos
todas as ruas
e a sua me fugiu dos dedos

Volta para Curitiba. Em pouquíssimo tempo, descobre-se que ele esconde garrafas de cerveja atrás de armários, cachaça
em lugares estratégicos, atitudes típicas de um alcoólatra incontrolável, fingindo e mentindo para si mesmo, para agradar às pessoas que amava.
Procura a madrugada para escrever. Dei-lhe minha Olivetti Lettera 32 de presente, já que havia comprado uma máquina nova. Refugia-se numa pequena edícula nos fundos da casa da mãe. Dalí devem ter saído alguns dos melhores poemas que escrevera, doloridos, metrificados à exaustão, coloquiais, mas inconfundíveis.
Detestava a burguesia, pobres coitados, escondidos em seus clubes de campo, carros do ano na garagem, mediocridade maior
da raça humana. Bebia com pessoas comuns em botecos
distantes, sujos, pessoas com quem compartilhava sua descrença na Humanidade.
Araiê, sua filha, cresce
Ele nunca deixa de visitá-la.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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