Poeta paranaense Wilson Bueno, que participou do
Folia das Falas, em Florianópolis, estreou na literatura
publicou Amar-te a ti Nem Sei se Com Carícias.
Wilson Bueno é considerado um dos mais importantes escritores da atualidade. Sua novela Mar Paraguayo, lançada em 1992, teve, recentemente, sua primeira edição internacional, pela prestigiosa Intempérie Ediciones, de Santiago do Chile. O livro foi adaptado para o cinema por Nivaldo Lopes, no média-metragem de mesmo título, e está sendo traduzido, por Erin Moore, para a Oxford Press University. Meu Tio Roseno, a Cavalo, foi finalista do Prêmio Jabuti de Romance – 2001 e escolhido como título obrigatório do vestibular da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Em 2004 publicou Amar-te a ti Nem Sei se Com Carícias, finalista do prêmio Zaffari e Bourbon de melhor romance publicado em língua portuguesa no biênio 2003-2004, concorrendo ao lado de José Saramago, Eduardo Agualusa, Chico Buarque, entre outros. Seu livro mais recente é Cachorros do Céu. Wilson Bueno nasceu em Jaguapitã (PR) e mora em Curitiba e participou, nesta semana, do projeto Folia das Falas, organizado pelo Sesc e que trouxe a Florianópolis também os poetas Ronald Augusto, Ricardo Aleixo e Virma Teixeira. Bolero’s Bar, seu primeiro livro, causou impacto em vários escritores. João Antônio, por exemplo, ficou tão impressionado que escreveu um ensaio de duas páginas no jornal O Estado de São Paulo assim que o livro saiu.
Pergunta – Já nesse livro inicial, você une poesia, conto e crônica. Como você classificaria essa obra? Qual a importância dela na sua trajetória?
Wilson Bueno – O velho Bolero’s…, como eu costumo chamar – que terá, agora, no início do ano, sua primeira reedição, revista e ampliada, pela Travessa dos Editores, do meu amigo Fábio Campana -, se constituiu em minha tardia estréia literária, com quase 38 anos. A nova edição, por sugestão de Jamil Snege, foi desdobrada em dois volumes – o Bolero’s Bar propriamente dito e Diário Vagau – abrigando, ambos, textos inéditos mas, se assim podemos dizer, da mesma família. É um livro inaugural em vários sentidos – primeiro porque atende à insistência com que Paulo Leminski desejava que eu estreasse em livro, ele que me acompanhava as escriturações obsessivas desde o começo e, até ali, com um fervor raro nele diante de qualquer autor que ensaiasse os primeiros vôos. Para me convencer a publicar o livro, que acabou saindo em dezembro de 1986, pela Criar Edições, me prometeu até mesmo um prefácio, outra coisa bem desusada na carreira dele.
Pergunta – Em alguns textos de Bolero’s Bar há referência a uma adolescência tumultuada, errante e sempre muito próxima da literatura. Você pode falar um pouco sobre esse período?
Bueno – Olha, eu comecei a publicar, acredite quem quiser, aos 12 anos de idade. Fui uma espécie de adolescente-prodígio de Curitiba. A minha adolescência foi uma adolescência literária por excelência, ainda que eu não haja descuidado nunca da vadiagem das ruas, do futebol dos campinhos baldios, no tempo em que existiam campinhos baldios em Curitiba. Havia uma professora de francês do colégio Rio Branco que, apesar das excelentes notas nas provas, diante dos meus proverbiais “desregramentos”, costumava dizer: “Wilson, tu sais un ange en forme de diable”. Aos 15 anos, eu já era contratado do mais importante jornal do Paraná, a Gazeta do Povo, publicando os meus textos todo domingo, na página literária do jornal, ao lado, entre outros, de Dalton Trevisan, já então um nome nacional e de alto coturno. E, pasme, numa atividade rigorosamente remunerada. Eu, que era office-boy e ganhava meio salário mínimo para trabalhar das 8h às 18h, me vi, de repente, ganhando uns dois salários mínimos integrais só para escrever um texto de 30 a 40 linhas por semana. Nunca mais quis saber de outra atividade.
Pergunta – Seria acertado afirmar que você, como muitos outros autores, é fruto do fervor literário curitibano dos anos 1960 e 1970?
Bueno – Deixei Curitiba em 1968 e só retornei em 1980. Foram 12 anos no Rio. Todos os anos 1970, em bloco e em peso, todo o maio de 1968 e a ditadura e a junta militar e o AI-5. Todo o make love not war, as dunas da Gal, sex, drugs and rock’n’roll. Fui preso pelos militares. Assinei uma coluna no emblemático jornal Tribuna da Imprensa dos anos de chumbo. Tinha a vaidade de os meus vinte e poucos anos assistirem ao meu nome estampado em letras enormes no generoso espaço que eu possuía no aguerrido diário de Hélio Fernandes. Sob censura prévia, claro.
O fervor literário a que você se refere, o fervor curitibano, eu o peguei, sim, baixo as caldeiras ferventes do meu saudoso e nunca esquecido compadre Jamil Snege, e até debitaria, não propriamente ao “fervor”, mas à madura amizade com Snege, o começo de tudo.
Pergunta – Tenho lido muitas críticas favoráveis às suas obras nos mais variados jornais e revistas do país. Não dá um certo temor esta unanimidade da crítica?
Bueno – Sei, ou penso que sei, rigorosamente, o que estou fazendo. Falar bem ou falar mal não é comigo. A minha função, a minha obrigação ética perante a vida é fazer o meu trabalho. O meu projeto literário não é uma coisa de agora; vem de muito longe, uma coisa maturada e sofrida, e muitas vezes de uma solidão que dá nojo.
Está claro que obter a boa recepção crítica, que invariavelmente ocorre com o meu trabalho, é muito estimulante. Mas, creio, não sou só eu a merecer esta espécie de unanimidade crítica hoje, no Brasil – há o Hatoum, o Bernardo Carvalho, para só ficar em dois grandes nomes da moderna prosa brasileira. Há mais, bem mais.
Pergunta – Que tipo de pesquisa você faz para atingir tal grau da escritura?
Bueno – Para escrever Amar-te a ti…, eu li o que pude da grande prosa do oitocentos em língua portuguesa… Não só a brasileira – Joaquim Manuel de Macedo, Taunay, Alencar, Machado -, mas também a lusitana – Alexandre Herculano, Fialho de Almeida, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão -, todas estas gentes d’antanho. Fiz como Saramago ao escrever o Memorial do Convento – ele leu tudo o que havia de barroco, e aí, então, fechou todos os livros e dedicou-se ao barroquismo pessoal e intransferível de seu livro.
Pergunta – Você criou e esteve à frente do jornal Nicolau por oito anos. O que dizer sobre a imprensa cultural brasileira hoje?
Bueno – O “momento histórico” em que Nicolau foi criado e todos os anos em que refletiu o melhor da intelligentsia nacional e internacional – de 1987 a 1994 – foram anos muito fecundos, sobretudo no Brasil. Praticamente sozinho no país, naquele tempo, Nicolau fez história. Mas o impressionante é esta “permanência” do tablóide nos corações e mentes dos leitores. O jornalismo cultural praticado hoje no país segue seu ritmo. Me parece que o tempo agora é, no gênero, o das revistas, e penso que a criatividade não pequena de nossos produtores culturais tem sido uma constante na área.
Veja o Paraná, agora, com a Etcetera, uma revista magnífica, editada e “bancada”, o que é ainda mais significativo, pelo meu amigo, o escritor Fábio Campana. E as outras tantas: a Sibila, em São Paulo, editada pelo poeta Régis Bonvicino; as valentes Ficções e Inimigo Rumor, no Rio, com o grande Carlito Azevedo fazendo e acontecendo; a Cacto, que tem à frente o jovem e talentoso poeta Tarso de Melo, e a Ácaro, e até mesmo a Rumos, do Itaú Cultural – são exuberantes momentos de um jornalismo cultural que aí está mostrando a que veio. Ainda que com outra pegada, gosto muito também da Bravo!. E há ainda as revistas digitais de cultura, como a Zunái, a Sara Fazib, a Patife, e este momento ímpar no gênero que é, a meu ver, a belíssima Trópico, dirigida por Alcino Leite Neto.
POR MARCO VASQUES/ Poeta, articulista de literatura da RIC e coordenador de artes. Diário Catarinense.