Reflexões Sobre A Salada.

Tomei emprestado do professor de italiano, historiador e gastrônomo Fabiano Dalla Bona um livro para ser degustado de guardanapo ao peito, bem sentado na mesa da cozinha e com um decente vinho ao alcance da taça. Antes de fatiar a obra, porém, um brinde ao autor: Alexandre Dumas.

Memórias Gastronômicas (Seguido de Pequena História da Culinária) de Alexandre Dumas, é o privilegiado cérebro do escritor francês inspirado pelo estômago.

“Minha reputação culinária… promete apagar a minha reputação literária. Louvado seja Deus!”, dizia Dumas, depois de se tornar célebre com suas obras mais populares: Os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, entre outras. Seus escritos como jornalista engajado na história da França são conhecidos por alguns. Poucos, entretanto, conhecem o Grande Dicionário de Culinária que Alexandre Dumas montou ao longo de 15 anos; hoje é uma referência da boa mesa.

Nestas Memórias Gastronômicas147 páginas, Jorge Zahar Editor – o “bom vivant” discorre sobre nomes ilustres e obscuros da gastronomia, até pescadores de uma aldeia na Bretanha, ali traçando um retrato dos costumes dos séculos XVIII e XIX em crônicas deliciosas, como “Um frango assado antes da guilhotina” e – principalmente esta a seguir, da qual transcrevo um pequeno trecho – “Reflexões sobre a salada”.

***

Deus me proteja de cometer um ato de hostilidade contra um gênero de salada qualquer. Em matéria de cozinha, como em literatura, sou eclético, assim como sou panteísta em matéria de religião.

Entretanto, como Sante-Foy, que não perdia a oportunidade de dizer que uma gemada era uma ceia ridícula, não posso deixar de dizer que a salada não é absolutamente uma alimentação natural para o homem, por mais onívoro que seja este. Só os ruminantes nasceram para pastar folhas. A prova é que nosso estômago não digere a salada, uma vez que secreta apenas ácidos e que as folhas só se diluem por meios de alcalinos, como quase todos os alimentos respiradores, que atravessam o estômago sem se preocupar com os sucos gástricos, ou melhor, sem que os sucos gástricos lhe dêem pelota, e que vão se recomendar, uma vez atravessado o estômago, ao pâncreas e ao fígado.

O homem, a quem Deus, diz Ovídio, deu um rosto sublime, o homem não foi feito para pastar, mas para contemplar o céu, sempre nas palavras do mesmo Ovídio. É verdade que, se o homem passasse a vida contemplando o céu, isso o alimentaria ainda menos que comer folhas. Em primeiro lugar, há a expressão que diz sobre um imbecil: “É uma besta pastando”. Depois, a conformação de seus intestinos, que é a mesma, convém admitir, tanto nos imbecis como nas pessoas ilustradas.

(…) São os bois os destinados a comer capim e a concorrer ao título de “boi gordo”. Para isso, têm quatro estômagos e cento e trinta e cinco a quarenta pés de intestino delgado; além disso, para fazê-los chegar aos mil e trezentos quilos, temos que obrigá-los a beber até oitenta litros de água por dia, não que a água engorde positivamente – não vamos dar crédito a esse erro -, mas, ao diluir os alimentos, ela propicia aos órgãos da digestão a faculdade de extrair e absorver suas partes nutritivas. O leão e o tigre, que não comem vegetais crus, mas carne viva, têm apenas quinze pés de intestino delgado, e, como não bebem sequer um litro de água por dia, nunca ficarão gordos. (…)

Toda essa digressão tem como objetivo provar que o homem não nasceu para comer salada, tendo sido o excesso de civilização que nos levou a tal. O que vem em apoio à minha opinião é que, em muitas casas, faz-se da salada um apêndice ao assado. (…) Isso é simplesmente uma heresia culinária. Uma comida estraga a outra. Todas as caças finas devem ser apreciadas sem acompanhamento, com o molho logicamente derivado de sua essência.

***

Para os vegetarianos não se sentirem tão ultrajados, informo que Alexandre Dumas fornece a receita de sua própria salada: rodelas de beterraba, fatias de aipo, trufas fatiadas, rapúncios (rapôncios) com seu penacho e batatas cozidas na água.

Dante Mendonça [26/11/2006] O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.