In vino et in humor, veritas

Humor e vinho, vinho e humor. Humm. Elegante aproximação. De um lado, analogias; do outro, enologia. Numa ocasião como essa, cai bem servir algumas doses de semelhanças.

Assim como a uva é a base para os diversos tipos de vinho, o humor se presta para produzir diferentes modos de riso. Das principais uvas – cabernet, merlot, chardonnay, riesling etc, – se consegue engarrafar sutilezas; com as formas básicas de humor – ironia, sátira, paródia, farsa – é possível desarrolhar o espírito humano. Essas bagas e essas graças seriam, mal comparadas, as matérias das quais se fazem os inebriamentos.

Enquanto os vinicultores exploram a videira e seus frutos, os humoristas espremem a realidade e seus fatos. Ambos dominam a arte da fermentação, até que jorros de bebida e de imaginação resultem em algo apreciável. Dos primeiros recebemos as mais variadas dádivas – os tintos, brancos e rosés, e os secos, suaves e doces. Os segundos fornecem engraçadas dúvidas – as charges, cartuns, caricaturas, ilustrações e histórias em quadrinhos. Um somelier mais espirituoso insinuaria: charge é o humor mais encorpado, adstringente. Cartum pode ser mais suave e até meio adocicado. Tiras podem combinar tudo isso. Caricaturas e ilustrações variam de teor risível. E conforme a uva, digo, a intenção, o humor gráfico pode ser mais azedo. Muitas vezes, avinagra – daí o deboche, o sarcasmo, o cinismo. Têm sua hora.

Vinhos têm safra, humoristas também. O RS é uma região de elevada produção dos dois, quantitativa e qualitativa. A safra de humor dos anos 70 até hoje é lembrada, pois se conserva muito bem. No Brasil, além daqui, as maiores produções de humor se concentram nas encostas cariocas, paulistas e mineiras.

Vinhos podem ser embalados desde finas garrafas até garrafões. Do mesmo jeito, desenhamos desde em papel importado até em guardanapo de bar (sem a menor referência à qualidade intrínseca do que se bebe ou se contempla).

Vinho degusta-se em apropriados cálices e taças, do mesmo modo com que o humor é servido em páginas (de jornais, revistas e livros). A adega do humor são as estantes. E esta exposição é a nossa carta. Escolha o desenho que mais lhe agrada e sorva-o por inteiro. Aliás, a única diferença com vinhos é: rir dispensa moderação.

Os benefícios para a saúde de quem consome bom vinho e bom humor regularmente convergem: melhor disposição para viver. Há quem aprecie humor às gargalhadas ou com um sorriso na mente, igualzinho como quem exagera na dose ou como quem demonstra finesse à mesa. Como genialmente definiu o grande cartunista argentino Crist: “Vinho é imaginação que se bebe.”

E assim como existem maneiras de combinar os vinhos com as refeições, também é preciso adequar o humor às situações. Se não é recomendável misturar determinados vinhos e certos pratos, sorrir num velório ou em meio a um desastre também é mal visto. Civilidade não tem hora.

Enfim, o melhor humor e os melhores vinho têm, em comum, brilho, equilíbrio, limpidez, transparência, cores e sabores memoráveis. E só uma comparação é negativa entre vinho e humor: a rolha lembra censura. Um brinde ao saca-rolha.

Fraga

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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