Bandoneóns no Stuart

Teria como emplacar uma associação entre chope e vinho Malbec, lambaris fritos e empanadas, a Praça Osório e a Ricoleta? Dino Chiunento e Amadeo Cartignoni não sonegam a porção para o santo e põem fé no sim. O primeiro é dono de uma das raras instituições centenárias de Curitiba, o velho e reverenciado Bar Stuart; o segundo, um portenho com muita verve, exibe no currículo a condição de ex-sócio do grande clássico de Buenos Aires em matéria de parrillas, a churrascaria Los Años Locos. A sociedade entre ambos quer restaurar os tempos dourados do Stuart, que já foi um dos principais pontos de encontro da elite política e cultural da cidade, mas passa por momento de franca decadência, à exemplo de outras casas similares do centro da cidade.

Luis Antonio Xavier era o prefeito quando o Stuart foi inagurado, em 1904. Curitiba, com 50 mil habitantes, tinha, então, suas noites iluminadas por lampiões. A energia elétrica só chegaria às ruas seis anos depois. Nesses 103 anos, a cidade mudou bastante, o que já não se diz do Stuart. Fundado por José Richter, na Rua Comendador Araújo, ao lado do Colégio Novo Ateneu, transferiu-se, em 1927, para a Voluntários da Pátria, ali permanecendo até 1954, ano em que veio para o endereço atual, na Praça Osório. Dino pegou ainda os tempos da Voluntários. Iniciou na casa em 1950 como garçom, logo assumiu a gerência, e, em 1975, tornou-se proprietário, comprando-a de Afonso Mehl.

O lugar é um baú de histórias. Suas mesas testemunharam grandes negócios, jogadas políticas, inconfidências. Houve época em que foi ponto obrigatório nos fins de tarde e aos sábados pela manhã, atraindo um público eclético, onde, em meio aos bebuns de praxe, interagiam empresários, jornalistas e políticos. Dino lembra que Bento Munhoz da Rocha, mesmo quando governador, comparecia ao menos três vezes por semana para seu drinque predileto, uma mistura de cachaça com Underberg. Ney Braga e José Richa, adeptos do chope, também foram assíduos. Antes do racha político, Jaime Lerner costumava ir muito, em companhia de Raphael Greca. “Tomavam guaraná com empadinhas”, lembra Dino. Requião ainda bate ponto. Pede cerveja e cascudinhos fritos.

O apogeu foi nas décadas de 70 e 80. Hoje o perfil do entorno é outro, cresceu a insegurança e o movimento entrou em declínio. Com as contas à beira do vermelho, Dino buscou novas opções, e aí surgiu a associação com Amadeo e a proposta deste de revitalizar a casa usando receitas que dão certo em sua Buenos Aires querida. Além de estabelecimentos do gênero, Amadeo foi proprietário de uma metalúrgica na capital argentina, com bom volume de negócios com o Brasil. Veio para cá em 1996, afugentado pelo malogro dos planos econômicos do vizinho país. Ele quer agregar novos serviços ao Stuart para absorver outros segmentos de consumidores. O forte do bar sempre foi o chope bem tirado e petiscos como carne de onça, lambaris e cascudos fritos, empadas e sanduíches. Isso tudo será mantido, mas, após a projetada reforma, a casa também abrirá para o café da manhã, oferecendo, depois, uma opção de almoço, com pratos leves.

E, quem diria, elas, antigamente barradas, agora serão cortejadas. O Stuart, de fato, já foi um clube do bolinha. “A região era de boates”, conta Dino. “Tinha a Star Dust, a La Vie en Rose, a Jane II. Para evitar que o bar virasse uma extensão das casas noturnas, admitia-se mulheres só quando acompanhadas”. Nos novos tempos, o Stuart – que vai incorporar o primeiro andar do prédio – se propõe a recebê-las, acompanhadas ou não, com as honras devidas e um cardápio especial de chás, tortas, doces e sorvetes, no melhor estilo das confeitarias que tanto sucesso fazem em Buenos Aires. Amadeo também quer diversificar as bebidas. Uma adega, onde não faltarão Malbecs e Cabernets de Mendoza, já foi providenciada. E, para completar, a promessa de típicas empanadas argentinas e música ao vivo, com uma trinca de bandoneóns. Seu sonho é um espaço evocando o glamour da Ricoleta, bairro portenho famoso pelos refinados bares e cafés. Vai mesmo emplacar? Com a palavra, o tempo e o público.

Luiz Carlos Zanoni [15/04/2007] O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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