Uma leitora da Folha me enviou um e-mail comentando minha coluna da semana passada “Nem todas as cartas de amor são ridículas“. Ela contou que enviou o texto para todos os colegas que estão sofrendo para escrever as dissertações de mestrado, teses de doutorado e outros trabalhos científicos. Enviou também para seu orientador de doutorado, que, sem ler o texto, disse debochadamente:
“Você é fã daquela antropóloga das redes sociais?”
Indignada com a arrogância do professor, ela respondeu:
“Sou, sim, fã de carteirinha da Mirian Goldenberg, uma antropóloga que faz um trabalho importantíssimo de divulgação científica nas redes sociais, jornais, revistas, rádios e programas de televisão. Ela divulga suas pesquisas sobre envelhecimento e etarismo com uma linguagem sensível e acessível a todo mundo. Não fica encastelada no mundinho acadêmico como tantos gênios ridículos, invejosos, medíocres e mesquinhos que pensam que são os Einsteins das ciências sociais, mas que não produzem absolutamente nada de relevante para a sociedade. E que, pior ainda, sentem um prazer sádico em desqualificar o trabalho de quem produz tantos trabalhos importantes. Você já viu o Currículo Lattes e o índice de impacto da Mirian no Google Acadêmico? Como dizia Tom Jobim, no Brasil, sucesso é ofensa pessoal”.
Compreendi a indignação, pois conheço a arrogância e perversidade dos “Einsteins e gênios ridículos”. Mas achei engraçado alguém dizer que sou “antropóloga das redes sociais”. Faço parte de uma geração analógica: tenho muita dificuldade, resistência e receio de lidar com as novas tecnologias.
Entre todos os meus colegas da universidade, fui uma das últimas a comprar um computador. Escrevi as mais de 600 páginas da minha tese de doutorado à mão e, depois, datilografei em uma velha máquina de escrever.
Fui também uma das últimas a ter celular. Até recentemente, meu celular era o mais barato de todos, sem conexão com a internet, mas meu marido me deu um melhorzinho de presente de Natal.
Depois do meu TEDx “A invenção de uma bela velhice” viralizar no YouTube, recebi tantos pedidos que acabei criando um perfil no Instagram. Amigas que sabem tudo sobre algoritmos me aconselharam a parar de escrever textões e passar a postar vídeos engraçadinhos. Sempre me senti uma analfabeta digital, um “peixe fora d’água” no mundo virtual, até que, no dia 24 de dezembro de 2021, recebi a seguinte mensagem:
“Oi Mirian! Acho tão bonito e único esse seu jeito de responder cada uma das mensagens que recebe. Faz a gente se sentir muito especial! Aqui a gente vê tanto dos outros, mas somos invisíveis. Daí a gente encontra você, que mesmo sem a potência dos olhos nos olhos, consegue enxergar a gente por dentro, nos responde, nos faz importantes. Você humaniza esse mundo virtual! Além desse mimo, vem sua escrita tocante, sensível, real. É das coisas que mais gosto no Insta! Beijo cheio de afeto, Meire.”
Imaginem a minha alegria ao descobrir: “Oba! Aqui tem gente que gosta dos meus textões!”. Foi o “turning point” da minha visão sobre a importância das redes sociais. Desde então, todos os dias, escrevo um textão e respondo aos comentários de mais de 77 mil seguidoras, muitas das quais, como a Meire, se tornaram minhas amigas.
No dia 1º de abril de 2023, fiz uma postagem no Insta sobre a minha escolha de não ter filhos e respondi a mais de 1.200 comentários. O Insta achou que eu era um robô por responder tão rapidamente e me bloqueou durante um mês. Confesso que fiquei triste: senti falta de escrever meus textões e de conversar com minhas amigas virtuais.
Então, em vez de uma “antropóloga das redes sociais”, seria mais correto dizer que sou uma “antropóloga nas redes sociais”. Ou, melhor ainda, uma antropóloga que escreve textões sobre maturidade, conjugalidade, sexualidade, liberdade e felicidade em todos os espaços possíveis, inclusive nas redes sociais. Na verdade, sei que sou só uma formiguinha analógica que sonha em fazer a Revolução da Bela Velhice e que teve a sorte de encontrar outras formiguinhas que também querem mudar o mundo. É pouco, é muito pouco…