A repetição está na raiz de qualquer literatura. Tudo que dizemos provavelmente já foi dito por alguém, em algum momento. Não importa se eu já vi esta frase ou não; ela já foi dita. O fato de eu ter ou não consciência disto cria uma diferença. Se eu desconhecia a frase, estou repetindo; se eu a conhecia, estou imitando, mas posso também estar produzindo uma variante deliberada. A Literatura vive, também, da criação contínua de variantes do que já existe.
São as variantes de uma idéia que, injetando nela algo de novo, garantem a sua sobrevivência e a chance de que venham a ser novamente imitadas no futuro. É assim que se criam os gêneros literários: imitando algo que já foi feito, e introduzindo pequenas surpresas e viradas-de-esquina. Repetindo o que já se tornou patrimônio coletivo, e inserindo nele uma contribuição individual.
Mark Twain, um grande fazedor de frases, disse certa vez num discurso: “Fiquei triste ao ver meu nome mencionado como um dos grandes autores da Literatura, porque eles têm o triste costume de acabar morrendo. Chaucer já morreu, Spencer morreu, o mesmo aconteceu com Milton, com Shakespeare… e eu mesmo não me sinto muito bem”.
É uma enumeração grave e sisuda que resvala, aos poucos, para um final meio gozador. O que na retórica chama-se de bathos, uma forma de anticlímax que geralmente produz o riso quando a usamos de forma mais caricatural: “Entre as minhas influências literárias estão Shakespeare, Goethe, Dostoiévski e Didi Mocó.”
Mark Twain foi o primeiro a fazer esse tipo de enumeração irônica? Pode ter sido, ou pode ser que não; não importa. Quando uma forma de dizer as coisas se revela eficaz, ela provavelmente será imitada por alguém. Em seguida, a existência desses dois exemplos aumenta as chances de que haja um terceiro. E depois um quarto, e depois um quinto… e eu mesmo já estou derrapando no mesmo caminho.
Coube a Woody Allen, um discípulo de Mark Twain (todos os humoristas norte-americanos o são), dar sua versão desta figura retórica quando disse:
Deus está morto, Marx está morto, e eu mesmo não estou me sentindo muito bem.
Num poema do livro Sentimento do Mundo (“Ode ao Cinquentenário do Poeta Brasileiro”) Carlos Drummond de Andrade fez uma bela homenagem a Manuel Bandeira, e a certa altura comparou o destino discreto de Bandeira, de poetar quase em segredo, com o destino de outros colegas seus:
Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de escrever, o poeta Maiakóvski suicidou-se, o poeta Schmidt abastece de água o Distrito Federal…
Macacos me mordam se não há uma ironia mordaz nessa comparação, em que ele justapõe dois poetas (Rimbaud e Maiakóvski) que viveram trágica e radicalmente a poesia e Augusto Frederico Schmidt, um poeta-empresário, sócio de variadas indústrias, dono de supermercados.
Jean-Luc Godard é um autor que usa a ironia e o sarcasmo como outros usam o sal e a pimenta. Além do mais, é um citador inveterado, e já afirmou que o cinema deveria consistir apenas em pessoas diante de uma câmera lendo trechos de seus livros preferidos.