Há dois meses, estava eu na cadeira do dentista, submetendo-me às manobras realizadas por ele e sua graciosa assistente. Em certo momento, tinha na boca —cada ferrinho com sua função e todos ao mesmo tempo— dois rolos de algodão, um espelhinho, a agulha da anestesia e, já se preparando para entrar em ação, a competente broca. Sou um sujeito tranquilo no dentista. Posso ficar horas de boca aberta e chego até a cochilar. Era o que provavelmente aconteceria se não fosse pelo súbito bafafá no andar de baixo —na sala de espera.
Começou por uma sinfonia de grunhidos. Evoluiu para uma troca de insultos —eram as vozes de dois homens— e culminou com um troar de corpos e móveis se chocando. Eu, o dentista e a assistente levamos 30 segundos para entender de onde vinha aquilo. Podia ser do prédio ao lado ou da rua lá fora. Ao concluir que era de sua sala de espera, o dentista largou as ferramentas na mão da assistente e na minha própria boca, e saiu correndo para a cena do conflito.
Dois clientes estavam se atracando e aos murros por motivos políticos —um, eleitor do PT; o outro, de Bolsonaro. O dentista, amigo de ambos, pôs-se entre eles e, arriscando-se a levar as sobras, chamou-os à razão. Não queria saber quem começara. Não era possível que uma discussão política levasse àquela irracionalidade.
Foi o primeiro episódio do gênero que testemunhei nesta eleição. Aliás, não testemunhei —estava de boca aberta na cadeira e assim continuei quando o dentista veio me contar o que acontecera. Pensei na hora: se nem as salas de espera dos dentistas estão a salvo, onde iremos parar?
Hoje sabemos. E não era para ser assim. Afinal, direita e esquerda não chegaram ao segundo turno, exatamente como queriam que acontecesse, cada qual achando a outra mais “fácil de derrotar”? Aos demais, que não querem nenhuma das duas, só resta agora a boca aberta.