O feminicídio não vai diminuir se os homens forem menos machistas nos livros
Em 2017, o Metropolitan de Nova York (Met) se recusou a tirar do acervo a pintura “Teresa Sonhando” (1938), de Balthus. Uma petição exigia que ela fosse removida por romantizar a sexualidade infantil. Segundo os signatários, o museu estaria “apoiando o voyeurismo e a objetificação das crianças”.
Artistas vêm sendo cancelados ao terem detalhes nefastos de suas vidas revelados. Ao visitar o passado com as lentes do presente não há como não dar de cara com pedófilos, machistas, racistas, xenófobos. Mas o revisionismo artístico pelo qual passamos tem aberto caminho para uma censura ainda mais perigosa no meio, a da realidade.
Parece óbvio, mas um quadro que retrata canibalismo não deveria ser encarado como exaltação ou romantização. Assim como os versos de uma canção com enredo de relacionamento abusivo. A cultura é instrumento para desnudar aspectos obscuros do ser humano e nos faz refletir. A realidade não é limpinha e nada nos serve que seja amenizada justamente pela arte. Ao chocar o público, por meio do drama ou do humor, joga-se luz onde há trevas. O que não significa normalizar preconceitos, abusos e crimes.
O boicote à obra de Balthus veio na onda, muito bem-vinda, do #metoo. É dessa época um trecho muito pertinente da famigerada “carta das francesas” que criticava “exageros do movimento”. “Os editores já estão pedindo para tornarmos nossos personagens masculinos ‘menos sexistas’, para falar sobre sexualidade e amor com menos desmedida…”.
Os números de feminicídio não vão diminuir apenas porque os homens são menos machistas nos livros. O estupro de vulneráveis não vai acabar com a censura de filmes. “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, que o governo quer proibir por “apologia à pedofilia”, é uma bobajada, mas mostra uma triste realidade. Predadores sexuais estão em ambientes considerados seguros para crianças. É isso o que deveria revoltar a todos.