A coceirinha

Foto sem cédito.

— Topa ir na casa abandonada?

— Fazer?

— Brincar.
— Brincar?
— Você levanta o vestido e mostra pra mim. Eu abro zíper e mostro pra você.
— …

— Eu te dou um Diamante Negro ou compro um dolé. Mas você não pode contar pra ninguém, é um segredo só nosso, senão as gurias da quadra também vão querer. Entramos pelos fundos, silenciosos. Por cenário, apenas um quintal cheio de pereiras, embaixo das quais a gurizada fazia os concursos punheta – quem sentia o arrepio antes, o piupiu caía e o guri virava celebridade – o gatilho mais rápido do Rebouças -, com direito até a bater pênalti no futebol de meia.

A casa de madeira estava abandonada havia dois anos, ali tinham morado o palhaço Chic Chic e, por último, o turco Fwad, um velho sacana que punha as meninas entre as pernas e brincava de gangorra com elas, até o dia em que a russinha mostrou a pomba e ele teve um treco tão forte que morreu na hora, foi enterrado de boca torta e tudo, um escândalo.

Abro a porta com a chave falsa e fecho bem rápido – na velocidade, a precisão de John Vâine, o xerife do cinema que todos do bairro queriam imitar. Ali dentro, duas e meia da tarde, escuro. O cheiro de pó, de mofo, chega a trancar o nariz. A menina ainda vestida com o uniforme escolar começa a suspirar forte, o coraçãozinho falando alto.

Súbito, sem mais nada, começa a fazer xixi nas calças. Leva a mão entre as pernas, envergonhada, enquanto o mijo escorre caldaloso, desordenado.
— Que vergonha!
— Não tem problema. Tira a calcinha, depois, em casa, lava ela no banheiro, ninguém vai ficar sabendo.
— Você quer mesmo ver?
— Você quer mostrar?
— Eu quero.

— Eu também.
Então tirou pela primeira vez a roupa na frente de alguém do outro sexo. Um raio de sol entra pela nesga da parede e ilumina a periquitinha loira. Vou fazer o mesmo, tirar o meu. Quando o exibo, sem saber o que é pecado, os rostos estão vermelhos, tão corados, que as duas crianças parecem de febre.

Ela olha para o meu, olho para a dela. Sinto, sem me tocar, uma coceirinha – aquela. Em pé, ela volta a urinar forte, em jatos, verticalmente. Sem entender o que sentia, solta um gemido:
— Ui, friozinho mais gostoso na barriga!

Almir Feijó.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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