Janio de Freitas – Folha de São Paulo
Preparem-se. As perspectivas que se esboçam, agora mais fortalecidas, são de anos e anos de um Brasil perturbado por processos e julgamentos, revelações, polêmicas jurídicas, satisfação e decepções, decorrentes do ataque à corrupção.
A conclusão, firmada no Supremo, de que doações legais de campanha também são suspeitas de ilegalidade por corrupção, causou nos parlamentares um abalo ao mesmo tempo justificado e descabido. E, em quem a avaliou sem interesse pessoal, uma apreensão maior sobre o Brasil vindouro.
Por experiência própria ou não, todo parlamentar sabe da existência de corrupção e enriquecimento ilícito por meio de doações legalizadas. As contabilidades de campanha entregues à Justiça Eleitoral servem tanto ou mais para ludibriar, quanto para registrar (parte) de doações e gastos.
A conclusão da Segunda Turma do Supremo corresponde à realidade eleitoral vigente desde a primeira redemocratização, com eleições em 1946.
A denúncia que levou à conclusão, porém, não se funda em fatos apurados, não tem provas. É o método da Lava Jato de preterir investigações, priorizar delações e satisfazer-se com suas deduções e “desconfianças”, palavra do procurador Santos Lima.
A denúncia sem prova e sua aceitação põem cada vereador, deputado e senador sob risco do que acontece a Valdir Raupp : o Supremo torna esse senador réu de uma ilegalidade ainda dependente da investigação que a Lava Jato não fez.
A conclusão do Supremo indica, em princípio, que os parlamentares e governantes recebedores de doações ilegais devem ser investigados também pelas legalizadas. Hoje, esses políticos já estariam na ordem da centena. O noticiário especulativo diz que o “novo pacote do Janot” contém outra centena, talvez até 150 políticos de todos os níveis.
Com tamanho batalhão, ou o Supremo desconclui, o que seria mau para a ética e a lei; ou adota uma discriminação para a qual inexiste critério justo; ou não se saberá quando essa investigação, sem falar nas outras pendentes, possa acabar. Sem acabar de todo com o Brasil, espera-se.
Há uma consideração a fazer ainda, além das várias que logo contestaram a diferença pregada por Fernando Henrique entre “receber recursos de caixa 2 (dinheiro não declarado) para financiamento político-eleitoral” e aquele “que obteve para enriquecimento pessoal, crime puro de corrupção”.
Os dois “recursos” são do mesmo modo pedidos, ou exigidos, para campanha: nenhum candidato pede dinheiro a empresário para comprar casa ou fazenda.
Os dois podem até ser legalizados com o registro de entrada. Depois são fabricados, com facilidade, muitos gastos fictícios, cujos montantes vão compor um caixa 2.
Este, por sua vez, mais inflado com os “recursos” não declarados. No total, são os “recursos” que –se alguém, por exemplo um diretor de jornal, estranha a compra inexplicável de uma fazenda– recebem o nome de “sobra de campanha”.
Não há diferença entre os casos. Em cada um, dois crimes: contra a Lei Eleitoral e, contra o doador, estelionato. Ambos sob a classificação genérica de corrupção. Casos reais, bem conhecidos em determinados setores, que não têm interessado a Lava Jato.