Sou testemunha disso. Já não posso estacionar nas ruas controladas pelo Estar curitibano, não tenho acesso a certos documentos públicos nem a informações de instituições bancárias ou financeiras. Até o serviço de delivery de certos restaurantes deixou-me de atender por faltarem-me aplicativos como WhatSapp, ipod, ifood e coisas do gênero. Isso sem falar do QR Code (daí o QRCodismo citado pelo filho de Hélio), aquele código de barras que precisa ser escaneado com a câmera do celular.
Como acha Schwartsman, não ter celular é uma opção, da qual ainda não me arrependi, mesmo que, quando informo esse fato, ao preencher uma ficha cadastral, o atendente me olhe como se eu fosse um extraterrestre.
Estima-se que haja, hoje, 8,4 bilhões de aparelhos celulares, isto é, mais do que o número de habitantes do planeta, estimado em 8 bilhões. No Brasil, com seus 217 milhões de habitantes, existem em funcionamento 251,6 milhões de celulares. Coisa de louco! Então, continuo perguntando: como é que essa gente toda conseguiu viver tanto tempo sem celulares? Está certo, os pigmeus de Bandar usavam a linguagem dos tambores e os peles-vermelhas americanos, sinais de fumaça. Mas e nós, os cara-pálidos civilizados? É também certo que os impérios romanos e de Napoleão avançaram mundo adentro sem celulares; Jesus Cristo andou pregando na Galileia sem celular; aliados e nazistas entraram no tapa também sem um único aparelhinho celular… Hoje, não se vai nem à esquina sem a maquininha na mão, no bolso ou na bolsa.
Rubem Alves, que não tinha celular, ao comparar os jovens às maritacas, desvendou o enigma dos adolescentes e, por tabela, a dependência do ser humano ao celular. Afirmava Rubem que, como as maritacas, os jovens andam sempre em bandos, porque uma maritaca solitária e um adolescente solitário são aberrações. “Daí o horror que os adolescentes têm de casa: em casa eles são separados do bando” – pontuava o mestre. E completava: “Havendo cortado o cordão umbilical que os ligava aos pais, eles o substituíram por outro cordão umbilical, o fio do telefone”. E, como hoje telefone não tem mais fio, pelo celular.
Eis aí uma boa explicação. Se hoje ninguém (ou muitíssimo poucos) vive sem a companhia do celular; se hoje correm o risco de tropeçar nas mal traçadas calçadas públicas ou ser atropelado no semáforo; se hoje não se consegue fazer uma refeição, assistir a um filme, a uma peça de teatro ou a um jogo de futebol sem tirar os olhos da telinha, a razão é simples: medo da solidão, pavor de ficar isolado, desconectado.
Ocorre que, de posse de um aparelho celular, ninguém mais conversa ao vivo, não lê, não se instrui nem se informa. É a “estupificação coletiva”, no dizer do artista plástico Antonio Veronesse.
Por isso, vou continuar resistindo enquanto puder. Estou bem acompanhado. Do pessoal mais recente, além do Rubem Alves e de Ariano Suassuna, que já se foram, temos ainda Luiz Fernando Veríssimo, Chico Buarque, Ruy Castro e Hélio Schwartsman, para citar apenas alguns nomes de destaque.
Seríamos um bando de reacionários ao progresso? Talvez, mas isso pouco importa. O que importa é que continuamos a viver felizes sem aquela geringonçazinha. E não nos sujeitamos a rastreadores do governo, de alienígenas, de palhaços, dos bandidos trambiqueiros e das grandes corporações que se prestam a manter os indivíduos sob controle e domínio – como também afirma a já citada Vanessa Barbara.