Uma meia furada é melhor do que uma meia remendada.
A frase de Hegel me perseguia há anos, aquilo de subdesenvolvido para quem o que é escrito por alemão, evidentemente em alemão, é sabedoria densa, profunda e inacessível aos mortais. A angústia se foi em dois meses de quarentena, quando derrubei – e fui derrubado pelo sono – a biografia de Martin Heidegger (Rüdiger Safranski, Ed. Geração, 2019, 500 pg, trad. Lya Luft). MH foi o segundo Hegel, cada qual o filósofo referência do respectivo século.
Tem coisa que a gente lê para não passar vergonha, não ficar para trás; lembro que na universidade tinha os colegas que metiam um Marx e um Freud em casa assunto do Direito, até na lei do inquilinato. Hoje, diriam os alemães, vivo um Schadenfreude (a alegria pela desgraça alheia) de ver que eles continuam as mesmas bestas, o do Freud empacado na neurose e na calvície, o enroscado em Marx sem dominar a regência verbal do português.
Os contemporâneos e ex-amigos de Heidegger (Karl Jaspers, Edmund Husserl, Hannah Arendt) diziam que nem ele sabia o que queria dizer, sua filosofia resultando em mera verbiagem. Estou para enfrentar Hegel e tirar a cisma, não quero chegar aos eternos campos de caça e dar de cara com o professor César Augusto Ramos, hegeliano de capa e espada, a pescar as virgens com hegel de mafuá. E a meia furada de Hegel, como entra na filosofia? Acho que entendi.
Meia furada e meia costurada provocam impressões, que na filosofia é conhecer pelos sentidos, momento anterior à reflexão, o conhecimento analítico, racional (comentaristas do esporte costumam confundir as categorias). Impressão e sensação, filosoficamente, é a mesma coisa. A meia furada é melhor que a remendada: a costura forma o calombo de linha que machuca os pés dentro do sapato. Foi minha reflexão. Hegel devia estar sofrendo com a dor e com o chulé.