Engana-se quem pensa que a força do cinema está na história contada por cada filme. Se fosse só isso, produções como A Hora Mais Escura perderiam qualquer sentido, afinal todos sabem como a história termina. O longa aborda a caçada e o assassinato de Osama Bin Laden, principal responsável pelos ataques aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. O terrorista foi morto em maio de 2011 e desde então já foram produzidas inúmeras matérias sobre o caso, além de livros e outras produções audiovisuais.
Então, o que faz de A Hora Mais Escura um filme a ser conferido? Pois bem, trata-se de uma obra de extrema qualidade e bastante atenta ao universo em que se passa. Como já tinha feito no premiado Guerra ao Terror, a diretora Kathryn Bigelow consegue criar uma ambientação muito natural. Não se trata apenas de cenários e situações realistas, o que mais chama a atenção é como tudo soa perfeitamente dentro do lugar. Há ares documentais, mas a força da ficção mostra estar presente quando o espectador se vê imaginando: será que eles vão conseguir conquistar seus objetivos?
O filme começa com uma tela preta, em que se ouve telefonemas de vítimas dos atentados ao World Trade Center, ao Pentágono e ao Voo United 93. O impacto visual é mínimo, mas o mesmo não se pode dizer do emocional. Ao confrontarmos vozes de pessoas que morreram naquele 11 de setembro entramos totalmente no clima do longa e, de cara, ao nos depararmos com pessoas em momentos próximos da morte, nos simpatizamos com a jornada principal da trama: a caça a Osama Bin Laden. A opção pela tela preta, ao invés de imagens de arquivo dos atentados, foi muito acertada, pois poderia ficar melodramático demais. E, convenhamos, a situação já é por si só muito emocionante.
Muito se falou que o longa seria uma apologia a tortura, o que é uma grande besteira. O fato de mostrar que não chegariam a captura sem a tortura e de contar com personagens que defendem a prática com todas as letras não significa que o filme em si defende. A intenção não é dizer como o exército norte-americano deve tratar os acusados de terrorismo, mas sim mostrar uma realidade: a tortura foi uma das marcas do governo de George W. Bush. A própria produção mostra claramente que isso mudou com a chegada de Obama, para o desgosto de algumas pessoas dentro da CIA.
Além de contar uma história real de interesse global, Zero Dark Thirty (no original) funciona como um filme de espionagem de primeira grandeza. A ação passeia por toda década entre os atentados e a queda de Bin Laden, mostrando a jornada e o desespero da CIA por não encontrar o terrorista. Quem gosta de longas sobre disputas geopolíticas e intrigas do poder, tem tudo para apreciar.
Vivida pela onipresente Jessica Chastain, Maya está no centro desta jornada. Ela é uma agente da CIA que é enviada ao Paquistão e por anos perseguiu pistas sobre o desaparecimento de Bin Laden. A atriz, que vem brilhando muito nos últimos dois anos, mostrou mais uma vez todo seu talento. Embora mantenha a expressão angelical e os cabelos ruivos de A Árvore da Vida, Chastain aqui surge com muita força em cena. Em um meio marcado por atentados e torturas, a presença feminina surge como um belo contraponto.
Não haveria A Hora Mais Escura sem Jessica Chastain, mas também é impossível desprezar o restante do elenco. Jason Clarke vive Dan, sujeito responsável pelas torturas, mas que se revela um bom amigo de Maya e ainda um cara sensível que lamenta a perda de animais de estimação. Kyle Chandler, Mark Strong, Jennifer Ehle e James Gandolfini são outros destaques do elenco, que conta ainda com as presenças de Edgar Ramírez, que brilhou na pele de um terrorista em Carlos, e Chris Pratt, que com pouquíssimo tempo em cena nos faz esquecer do atrapalhado Andy da série Parks and Recreation.
Kathryn Bigelow mostra, mais uma vez, estar no melhor momento de sua carreira, que se deve muito a parceria com o roteirista Mark Boal. Os dois sabem como poucos construir um clima de tensão permanente em uma produção cinematográfica. Se Guerra ao Terror já era um filme tenso, A Hora Mais Escura é ainda mais radical neste sentido. Não há queda de ritmo. A trama é constante durante seus 157 minutos de duração.
Quem também está no auge de sua trajetória na sétima arte é o compositor Alexandre Desplat. Só em 2012, foi responsável ainda pelas trilhas de Argo, Moonrise Kingdom e Ferrugem e Osso. Aqui, ele colabora de forma marcante para a construção do clima, não se incomodando em sair de cena ou ser discreto em inúmeros momentos. O trabalho de mixagem também é impressionante, investindo no completo silencio em alguns momentos, em que percebemos que a ausência de som, que antecede alguns atentados, é muito mais impactante que a explosão em si.