Historiando os fatos, a excelsa Corte lançou na praça edital de licitação, na modalidade de pregão eletrônico (nº 27/2019), destinado ao fornecimento de refeições aos eminentes homens e mulheres da capa preta, estimado em R$ 1,1 milhão, incluindo, entre outros acepipes, medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada, camarão à baiana, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, arroz de pato e pernil de cordeiro assado. Para acompanhar o refinado rango, além do indispensável uísque 18 anos, mereceram destaque as especificações para os vinhos – três tintos e dois brancos: é indispensável que as bebidas tenham vencido pelo menos quatro premiações internacionais. No caso do vinho Chardonnay, deve ter “sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro ou segundo uso, por período mínimo de seis meses” e a colheita das uvas “feita manualmente”. Inclui-se ainda no cardápio champagne brut com ao menos quatro premiações internacionais, cachaças envelhecidas em barris de madeira nobre, gim, vodca e conhaque envelhecido por no mínimo dois anos.
Achando que era só o que faltava, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), ajuizou uma ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal contra o pregão eletrônico.
A juíza Solange Salgado, da 1ª Vara Federal em Brasília, acatou o protesto e determinou a suspensão da licitação, entendendo que o pregão afronta o princípio da moralidade administrativa:
“A par de o objeto licitado no Pregão eletrônico em comento não se inserir como necessário para a manutenção do bom e relevante funcionamento do Supremo Tribunal Federal, os itens exigidos destoam sobremaneira da realidade socioeconômico brasileira, configurando um desprestígio ao cidadão brasileiro que arduamente recolhe seus impostos para manter a máquina pública funcionando a seu benefício” – registrou a magistrada.
E aduziu configurar a licitação a “prática de ato com potencial lesivo à moralidade administrativa”, “com alto custo de dinheiro público”, não levando em conta o “período de gravosas dificuldades econômicas e deficiências orçamentárias, que atinge a todos”.
Estávamos nós, apreciadores do velho e bom feijão com arroz, a comemorar a arrojada decisão da dra. Solange, quando constatamos, uma vez mais, que, nesta terra de Pindorama, o que é bom dura pouco: acatando recurso da Advocacia-Geral da União – aquele órgão público que deveria zelar pelos interesses da Nação –, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por meio do des. Kassio Marques, “corrigiu” a decisão da dra. Solange, liberando a realização do pregão e ainda admoestando a colega, cuja decisão teria refletido uma visão destorcida dos fatos, “nutrida por interpretação superficial e açodada”:
“A tese acolhida no Juízo de primeiro grau referenda a preocupante ideia de que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal – que abriga nada menos do que a Chefia de um dos Poderes da República, o Poder Judiciário – são concebidos atos com desvio de finalidade”.
Imagina!!! Quem seria capaz de idealizar tamanha barbaridade?! É sabido que a augusta Corte de Brasília é constituída não apenas de figuras de elevado saber jurídico, mas de comportamento exemplar, imune a falhas e deslizes comuns apenas à patuleia. É verdade que as vezes há uns arranca-rabo públicos no plenário entre os insignes ministros, que chegam a trocar elogios como “você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Vossa excelência nos envergonha, é uma desonra para o tribunal, uma desonra para todos nós”. Mas sempre com o maior respeito.
Até porque – revela o des. Marques – o Pregação 27/2019 se destina a qualificar o STF a oferecer refeições institucionais às mais graduadas autoridades nacional e estrangeiras, em compromissos oficiais nos quais a própria dignidade da instituição, obviamente, é exposta”.
Está se vendo, excelência.