A lição do velho cão

Parece mentira, mas neste início de ano estou completando 11 anos de Zé Beto. Em “O Estado do Paraná”, foram 13. Quer dizer, caminho nessa estrada, subindo e descendo ladeiras e contornando curvas, há 24 anos. É um tempão, convenhamos. Quando do comentário impresso, julgava-me porta-voz dos avós sem coluna; hoje, entrado nos oitentinhas, no máximo posso ser considerado porta-voz dos velhinhos sem blog. Aos jovens, antes que eles abandonem a leitura desta linhas ou comecem a fazer chacota, lembro que se nós, seus pais, avós ou bisavós, não tivéssemos envelhecido, eles não seriam jovens nem estariam aqui.

Por isso, prezado leitor, se você, tenha a idade que tiver, é daqueles que pensam que cachorro velho perde o faro e se torna inútil, permita-me dizer-lhe que nem sempre isso acontece. Às vezes, a velhice só traz mais sabedoria. Como no caso daquele cachorro velho, que embarcou com a dona em um safari na África e cujo caso me foi enviado por um bom amigo há algum tempo.

Enquanto a madame se deliciava com as girafas e gazelas, o velho cão caçava borboletas. Distraído, ele, de repente, se deu conta de que tinha se perdido.

Vagando a esmo, atrás do caminho de volta, o velho cão avistou um jovem leopardo, que vinha em sua direção com intenções nada amistosas. Pensou rápido, porque velho, ao contrário do que se supõe, pensa rápido:

– Huuummmm… Estou enrascado.

Olhou ao redor e viu um monte de ossos espalhados pelo chão, próximo a ele. Então, em vez de dar mostras de pavor, achegou-se ao osso mais próximo e passou a roê-lo, dando as costas ao leopardo, como se não o tivesse visto.

Quando o felino estava prestes a dar o bote, o velho cão exclamou bem alto:

– Esse leopardo estava uma delícia!!! Será que há outros por aí?

Ouvindo isso, o jovem leopardo sentiu um arrepio na espinha e suspendeu o ataque. De mansinho, esgueirou-se em direção às árvores, pensando:

– Caramba! Essa foi por pouco. Aquele cachorro quase me pega!…

Um macaco, pendurado numa árvore ali perto, viu a cena e, safado como ele só, imaginou como fazer um bom uso do que assistira. Em troca de proteção para si, informaria ao predador que o vira-lata não comera leopardo algum…

E, assim, foi rápido atrás do leopardo. Mas o velho cão, que a tudo assistia, logo deduziu que ali tinha coisa…

O macaco alcançou o leopardo e contou-lhe o ocorrido, fazendo um acordo com o felino. O jovem leopardo ficou furioso por ter sido feito de bobo.

– Macaco, suba nas minhas costas para você ver o que vou fazer com aquele cachorro abusado!

Agora, o velho cão vê um leopardo furioso, com um macaco nas costas, vindo em sua direção. Pensa:

– O que eu posso fazer?!

Mas, em vez de correr, pois sabia que as suas pernas envelhecidas não o levariam muito longe, o velho cão sentou-se, dando as costas para os agressores, como se ainda não os tivesse visto. Quando sentiu que eles já estavam bem próximos, falou alto o necessário para ser ouvido:

– Cadê o f.d.p. do macaco? Estou aqui morrendo de fome! Ele disse que iria trazer outro leopardo para mim, e não chega nunca!…

Moral da história: não faça pouco de um cachorro velho. Idade e inteligência sobrepõem-se à juventude e à intriga. Sabedoria só chega com a idade e com a experiência.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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