Passou quase despercebido o gesto do presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, que levou à posse de Lula dois antecessores: Julio María Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000) e José “Pepe” Mujica (2010-2015).
Lacalle Pou é membro do Partido Nacional, de direita; Sanguinetti é Colorado, de centro; e Mujica, ícone da esquerda, elegeu-se por uma coalizão de forças progressistas, a “Frente Amplio”. A presença da trinca em Brasília robusteceu o princípio de que são de Estado para Estado as relações entre Uruguai e Brasil —acima, portanto, das disputas partidárias no país vizinho.
Nesta semana, a propósito, a ida de Lula a Buenos Aires marcou o ressurgimento da diplomacia regional brasileira, destratada pelo governo Bolsonaro. Na segunda-feira (23), o titular do Palácio do Planalto visitou o seu homólogo Alberto Fernández na Casa Rosada, onde assinaram substanciosa declaração conjunta.
No dia seguinte, o brasileiro discursou na reunião da Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), formada pelos 33 países da região. Na abertura dos trabalhos, Fernández, também presidente da entidade, saudou o retorno do Brasil à organização, da qual estava ausente desde 2020. Disse, nada menos, que sem o país a Celac é “muito mais vazia”. De seu lado, Lula ratificou enfaticamente o regresso do Brasil.
A história da América Latina registra numerosos esforços para construir organizações multilaterais que fomentem a cooperação econômica e a coordenação política para atuar afinados na região e nos foros mundiais.
Todos eles, no final das contas, contribuíram para fortalecer uma tradição de relações pacíficas no continente. Faltou vencer, porém, o desafio da permanência, dada a escassa complementaridade entre as economias vizinhas, sem falar da grande instabilidade política no entorno. Criada no embalo da primeira “onda rosa”, a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) é apenas a última vítima a sucumbir ao ir e vir da política em cada nação.
Na América Latina, mais do que em qualquer outra parte do mundo, as eleições e as crises presidenciais têm acarretado alternância no poder entre forças de orientação muito distintas. Construir organismos regionais fortes e duradouros requer delicada engenharia institucional e muita cabeça fria dos dirigentes de cada país em face das disputas eleitorais dos vizinhos.
Na sua volta, o Brasil poderá preencher o vazio que sua ausência escavou e desempenhar papel relevante nessa empreitada. Para tanto, mais do que a experiência do primeiro governo Lula (2003-2006), é fundamental aprender agora com os uruguaios.