A morte – modo de usar

Susana Vieira declarou esses tempos que com ela vai ser assim: direto do baile funk pro cemitério. É ou não é infinitamente melhor que ir pro cemitério direto da frente da televisão que passa a novela das oito? Mas tenho a sensação de que toda essa alegria desfraldada em praça pública, pronta para sair na capa da Caras, se deve a um choque: Susana deu de cara com a melhor idade num beco escuro e tremeu as perninhas. Afinal, durante a juventude, ela era mais discreta.

Há muitos modos de tremer as perninhas. Não sei se uns são melhores que outros. Sei que uns são mais vistosos ou mais divertidos. Lembro sempre do Jorge Luis Borges nos últimos tempos. Ele dizia que, como o pai, desejava morrer inteiramente. Quer dizer, fim, se acabou, kaputt. Nada de ficar baixando em centro espírita, indo pro paraíso ou pro inferno, ou fazendo alguma outra coisa mais escabrosa ainda. Se a morte não é o fim mesmo, é uma espécie de fraude, não? Mas Borges estava cansado, esperava a morte como um alívio.

Também lembro sempre do meu avô materno. Tremendo gozador, instantes antes de morrer ainda tinha energia pra se divertir às custas dos outros, como com o enfermeiro, no hospital, na hora do banho. Quando o cara lhe segurou o tico para passar a esponja, disse como quem não quer nada: “Te pagam bem pelo serviço?”

Meu avô não queria morrer de jeito nenhum. Apesar de tudo – resumia sua vida, rindo: “Como sofri” – não se sentia cansado. Não tinha medo de morrer, pelo que notei. Simplesmente não queria largar o osso. Talvez seja muito esperar fugir de um fim melancólico. Mas tem gente que merece. Eu – bem, se eu não pedir penico, já está bom.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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