Deu no UOL. Um vigarista italiano, Roberto Vivaldi, 69 anos, condenado por crimes financeiros e foragido de seu país havia 25 anos, foi descoberto na Venezuela, onde vivia de vender discos de vinil pela internet. A Interpol já estava de olho nele, mas não tinha como comprovar sua identidade. O incremento desse comércio pela pandemia, no entanto, trouxe novas informações, e o chefe da investigação Alessandro Gallo teve uma ideia: encomendar um disco a Vivaldi. Fã de bossa nova, pediu-lhe “Garota de Ipanema”, com Antonio Carlos Jobim.
Como Tom nunca gravou um disco com esse título, Leonardo Rodrigues, autor da reportagem, deduziu, a meu ver corretamente, que se tratava do LP com a trilha sonora do filme “Garota de Ipanema”, lançado pela Philips em 1967. O nome de Tom aparece em primeiro lugar na capa, seguido pelo de outros artistas que se ouvem no filme: Nara Leão, Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Elis Regina etc. É um dos discos brasileiros mais procurados no mercado internacional de usados.
Gallo recebeu a encomenda e pôs a tecnologia em busca das impressões digitais no plástico que envolvia a capa —capa esta que, com a bela Marcia Rodrigues, de biquíni, correndo em direção à câmera de David Drew Zingg, deve ter sido muito manuseada por todos a quem o disco já pertencera. E, entre as incontáveis marcas de dedos, lá estavam as digitais de Vivaldi. A polícia venezuelana localizou seu endereço, abotoou-o e mandou-o para a Itália.
Isso me preocupou. Por décadas e décadas, milhares de LPs já passaram por minhas mãos. A inúmeros dei destino incerto: doei-os, vendi-os, troquei-os, e lá se foram para outras mãos e outros mundos, com minhas digitais. E se, de repente, varejadas pela Interpol, elas forem confundidas com as de alguém que degolou a avó ou é seguidor de Jair Bolsonaro?
O jeito é aderir ao streaming. Ele é a música sem dedos, à prova de flagras.