Ao dizer que “Tamar oferece seu corpo a vários homens do vilarejo”, a sinopse não explica o importante fato que a protagonista não é uma prostituta, cobrando as relações sexuais com dinheiro. Ela tampouco é uma alma caridosa, como puderam sugerir alguns críticos. Esta mulher tem parceiros múltiplos e regulares por seu próprio prazer, e – fato bastante raro no cinema – ela não é condenada ou julgada por isso. Ela também é uma boa mãe e boa trabalhadora, qualidades que geralmente são desvinculadas das mulheres “promíscuas”.
Todos os homens dessa pequena comunidade israelense conhecem as “visitas noturnas” que ela recebe, e nenhum é particularmente ciumento. Quando um homem vai à casa de Tamar e encontra outra pessoa em sua cama, ele parte e retorna mais tarde (as janelas estão sempre entreabertas, e sons de gemido atingem as granjas e avisam os homens dos limites a não ultrapassar).
Nesta comunidade silenciosa e perfeitamente estável, Tamar é a única mulher adulta visível em toda a história, embora todos os homens sejam casados, muitos deles com filhos. Enquanto as esposas e mães são convenientemente escondidas pela narrativa dentro de seus lares, nossa heroína é vista em espaços abertos, trabalhando pelos campos, descansando na varanda. Para ela, não existe separação entre as esferas públicas e privada: seu corpo e suas atividades sexuais são não apenas aceitos pela comunidade, eles também são uma parte importante de sua estabilidade.
Por esta razão, a chegada do amor e do afeto põe em risco toda a estrutura local. Não, Tamar não se apaixona (este não é um conto de “redenção da promiscuidade pelo amor”), mas um dos homens se apaixona por ela. A nova relação monogâmica que nasce entre ambos será cruelmente punida pelo roteiro e pelos personagens, num final dos mais chocantes, apresentando uma decisão moral controversa e abertamente provocativa.
Mesmo assim, o choque nunca é acusador ou gratuito, sendo sempre apresentado de maneira orgânica, silenciosa, talvez ainda mais potente por ser implícito. De explícito, vejam só, existem apenas as diversas cenas de sexo, natural e não fetichista, e o atropelamento violento de um cavalo em plano sequência, na cena de abertura do filme, de certa maneira uma metáfora para o que viria mais tarde. A estética de planos abertos e vazios é perfeitamente escolhida para retratar esse ambiente de maneira realista, aberta, sem truques nem artifícios.
Isto se torna ainda mais notável quando se sabe que a protagonista “vadia” é também a diretora e roteirista, que se expõe propositadamente a cenas de uma (i)moralidade um tanto corajosa. O que significaria expor-se de tal maneira? Narcisismo, fetichismo? Seria impossível analisar as relações psicológicas da diretora-atriz com sua personagem, mas de qualquer modo ela submete sua imagem e seu corpo a uma perversa fábula de liberdade e punição.
Talvez, pensando bem, o final não poderia ser diferente. Afinal, esta é uma das raras histórias de sexualidade livre, na qual o amor precisa se adaptar ao sexo, a moral ao prazer, e não o contrário. Neste contexto laico, comunitário e estruturado essencialmente pelas pulsões de seus indivíduos, nada mais natural que o amor seja castigado impiedosamente. Cada sociedade tem as regras que lhe convêm.