Ruy Castro – Folha de São Paulo
Agravos, recursos e embargos sem ter fim
Uma figura não escrita do direito é o jus esperneandi. Em pseudo-latim, é o direito de espernear, de valer-se de todos os recursos legais em defesa de um ponto de vista, de modo a protelar a execução de uma medida que lhe seja adversa. A imagem é cômica e sugere um garoto se atirando ao chão na rua e fazendo pirraça para evitar que o pai o leve para casa porque está na hora da sua, digamos, aula de acordeão. Nelson Rodrigues criou uma variação ainda mais hilariante dessa imagem: o sujeito ser levado pedalando o ar.
Lula não foi levado para Curitiba pedalando o ar, mas seus advogados não têm economizado no seu direito de espernear contra a prisão. Toda semana, a cada derrota acachapante de seu cliente num tribunal, apelam para um embargo declaratório, recurso especial, agravo de instrumento, recurso extraordinário ou agravo regimental que lhes faculta a lei e, diante de nova derrota, aplicam sobre cada qual um novo agravo regimental, recurso extraordinário, agravo de instrumento, recurso especial ou embargo declaratório. E assim por diante —se deixarem, essa ciranda procrastinatória não tem fim.
Cada embargo, agravo ou recurso pode ser solicitado não apenas ao plenário do TRF, STJ ou STF quantas vezes se queira, mas também às diversas turmas em que esses tribunais se dividem, contando com que alguma seja mais favorável ao acusado. No caso de Lula, isso não lhe está sendo de grande valia —tem levado goleadas até nas turmas que lhe pareciam mais simpáticas.
Tudo isso para dizer que, com tantos recursos, embargos e agravos junto a uma Justiça que os recebe com a maior paciência, fica difícil convencer o mundo de que Lula está preso sem direito de defesa.
Mas tudo tem limite. Depois de sucessivas derrotas em todas as turmas a que seus advogados estão apelando, só restará a Lula pôr-se à mercê da última e definitiva turma: a Turma do Funil.