Ao menos nos últimos dez anos raramente tenho ido ao cinema. À exceção do sempre instigante Pedro Almodóvar, cronista implacável de nossos (modernos?) vícios e virtudes, ou um que outro David Lynch, nada mais me leva a trocar o conforto deste Palacete do Tico-Tico, feito de livros, jornais, revistas, CDs, DVDs, sem falar da onisciente internet, pelas geladas salas de exibição escondidas em pisos e sub-pisos dos inefáveis shoppings da vida.
Com a morte recente de Ingmar Bergman e de Antonioni, os últimos dinossauros iluminados daquilo que o saudoso jornalista Aramis Millarch gostava de chamar “a sétima arte”, confesso que a coisa piorou.
Ainda que não mais fizessem filmes, para este vosso “rarefeito” escriba, – como costuma classificar a minha sociofobia o brilhante amigo Toninho Vaz -, a morte de Bergman e Antonioni foi assim como se um definitivo balde de água fria sobre o que ainda restava em mim de entusiasmo pelo cinema.
Nada contra o cinematógrafo – ouviu, Almir Feijó? -, você que, mesmo enfarado do dito cujo, ainda dele se ocupa com raro talento. É que chega uma idade em que, talvez perigosamente, passamos a viver do que foram as tão suntuosas quanto avelhentadas epifanias.
Gastos ou jovens senhores, creiam: no Cine Plaza, de tantas glórias, ao lado de Lélio Sotto-Maior, uma das mais exaltadas vocações de teórico cinematográfico que o Brasil já teve – hoje muito doente e injustamente esquecido no bairro do Juvevê, em Curitiba -, assistimos ao que foi, em verdade, o cinema. Isso mesmo!
Nem queiram saber o que era aquilo, ou melhor, o que era aquela obsessão: só La Chinoise (A Chinesa), do ora quase octogenário Godard, vimos, eu e Lélio, em nossos pouco mais de vint’anos, contadas nos dedos, exatas cinco vezes! Eclipse e Blow Up, de Antonioni, no Cine Clube Santa Maria, aí umas três; e o genial Bergman (Morangos Silvestres e O Sétimo Selo, sobretudo) já nem lembro mais quantas vezes foram.
Aquilo era o cinema, senhores. Mesmo filmes “B”, como Os aventureiros ou Dr. Jivago, por exemplo, enquanto não soubéssemos de cor no mínimo a trilha sonora, não sossegávamos. E de reprise em reprises matávamos as tardes demoradas da aldeia, aquele tempo em que Curitiba era só um tosco burgo, cartorial e danadamente provinciano. Sem TV, computador ou motel digno desse nome…
Tristíssimo saber que Bergman e Antonioni estejam mortos; definitiva e para sempre eternamente mortos. Mas se existe honra que eleva e consola esta é a de havermos testemunhado que, além da morte limpa, sem maiores tormentos físicos, nossos ídolos cumpriram uma vida longa, produtiva e gloriosa. Bergman – 89 anos; Antonioni – 94.
Nem uma lágrima – por um ou pelo outro; nenhum desespero ou angústia… Mostraram aos criadores de diversas áreas que, em definitivo, o final do século 19, e parte do 20, morreram, com seus artistas “malditos” e suicidas, graças a Deus!, antes deles.
12|08|2007]|O Estado do Paraná