O galês Dylan Thomas rebelou-se contra a morte iminente do pai, pedindo, num poema famoso, para ele não se entregar mansamente à grande noite, mas rugir, rugir contra o apagar da luz. Ou o apagar da velha chama, que foi como o Tom Jobim descreveu a morte.
A velha chama às vezes custa a apagar. Certa vez fui a uma homenagem ao Jorge Amado, em São Paulo, e descobri na chegada, que haveria outro homenageado na noite: o poeta Menotti del Picchia. Que eu pensava que não apenas estivesse morto, mas morto há muito tempo. O velho nunca ficou sabendo quem eu era e por que o abraçava com aquela alegria. Nem que meus parabéns entusiasmados não eram pelo seu prêmio, eram por ele ainda estar tão inesperadamente vivo, e de pé.
Viajando pelo interior da França, pegamos no rádio do carro um programa só com músicas do Charles Trenet. Justa homenagem, pensei eu: um programa inteiro em memória do cantor e compositor, falecido há quanto tempo mesmo? No fim do programa entrou uma entrevista com o próprio Trenet, ao vivo. Vivíssimo. Não me lembro de ter notícia da sua morte. O que sugere que ele ainda pode estar vivo, e cantando Douce France.
De vez em quando, levamos esses sustos, entre enternecedores e horrorizados, com a descoberta de que alguém que julgávamos morto continua existindo. O susto se repete principalmente com velhos astros de cinema. Alguém sai do túmulo – ou pelo menos do túmulo em que o colocamos, prematuramente – para receber um Oscar ou coisa parecida, e todos têm a oportunidade de dizer “Não é possível!”.
No fim, cada um que nos surpreende por ainda não ter partido é uma vitória do nosso lado: mais um que sonegamos do adversário. Uma espécie de ponto que julgávamos perdido, recuperado. Mais um que resistiu mais do que imaginávamos, e não se entregou mansamente à grande noite. E para quem a velha chama ainda brilha.