A vida em números

Todos os códigos e senhas que você precisa decorar para saber quem é

Uma antiga piada falava de um sujeito que, sofrendo de crise de identidade, comprou um cachorro. Daí, sempre que chegava em casa e o cachorro lhe abanava o rabo, ele sabia quem era. O brasileiro não precisa disso. Basta-lhe decorar os números e senhas de seus serviços e inscrições e dispará-los quando solicitado nos caixas, balcões e guichês. Eu, por exemplo, consigo me lembrar de quase todos.

Meu RG é 00000.000-1, da SSP-RJ, emitido em 0-00-0011. Meu CPF é 00-000-001-11. O CEP, 00-001-111. Meu endereço de email, xxxxxx@xxx.com.br. A senha do email, xxxxxxxx. Já a senha do wifi é xxxxxxxx. O nome da minha rede é xxxxxxxx e a senha, xxxxxxxxx. Meu banco é o de número 000, minha agência é a 111 e a conta-corrente, 00-000.11111. Meu cartão do banco é 0111111; a senha, 1111. Minha senha do aplicativo do banco é 1111112. O do cartão de crédito, 1111-1111-1111-122 e a senha, 1222. Minha senha na internet é 1112222.

Não uso celular, mas o da minha mulher, que preciso saber para telefonar para ela, é 9-1112-2222. Acho que a senha do celular dela é 2222. Ainda uso telefone fixo, 21-2222-2222. Pedestre convicto, nunca tive carro, mas tinha de decorar a placa dos carros das moças. Minha matrícula no plano de saúde é 222-2223. Meu número de inscrição previdenciária, 222-2233. O do PIS é 222 222 223 33, e o da apólice de seguro, 223333. Sou obrigado a ter um troço chamado Código do Iban, cujo inacreditável número é BR 22 2222 2222 2222 222 3333 330C 3.

Meu passaporte, válido até 2222, é 23.333333. O número da carteira profissional, sem uso há 30 anos — desempregado —, 33.333.334. Certificado de reservista (de 3ª ou 4ª categoria), 33.333.344. Título de eleitor, 33.333.444. Minha matrícula na NET, 23.333.333. E a de sócio-torcedor do Flamengo, 33.334.444.

Só me falta agora o número do registro da arma de fogo. Estou a fim de comprar um trabuco e sair dando uns tiros por aí.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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