A vida vale pouco

No Brasil de 2019, todo mundo anda armado e mata-se por qualquer coisa

As imagens chocaram o país: o jovem negro, de 17 anos, nu e amordaçado, sendo chicoteado por dois homens com fios elétricos trançados, por ter roubado uma barra de chocolate. O fato aconteceu há algumas semanas, nos fundos de um supermercado em Vila Joaniza, zona sul de São Paulo. Mas só agora as cenas vieram a público. Elas nos remetem a um Brasil que ainda não chegou a 1888.

O de 2019 não está muito melhor. Em junho, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo, Vanderléia Inácio, 25 anos, mãe de quatro filhos, sendo o mais velho com oito anos, foi morta com três tiros no rosto em uma festa junina. O crime aconteceu após uma discussão causada por um pedaço de bolo oferecido à esposa do suspeito. Em julho, no Grajaú, também na zona sul de São Paulo, o desempregado Joab Dias Costa, 23 anos, foi desafiado a um jogo de cartas valendo R$ 10. Ganhou. Seu adversário, inconformado, agrediu-o ali mesmo e, semanas depois, matou-o a tiros na rua.

Ainda em julho, em Dourados, a 250 km de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, o policial militar Dijavan dos Santos matou também a tiros o bioquímico Júlio César Cerveira, na sequência de uma discussão sobre lugares marcados num cinema. Os dois, vítima e assassino, estavam acompanhados de seus filhos adolescentes. O filme era “Homem Aranha: Longe de Casa”. O tiroteio aconteceu com a sessão já começada, e o cinema cheio de crianças.

Há poucos dias, em fins de agosto, um PM ordenado a intervir para que se abaixasse o som de uma festa no bairro de Brotas, em Salvador, foi recebido com hostilidade pelo dono da festa e por alguns convidados. Eles tentaram agredi-lo e roubar seu revólver. Com a chegada de reforço policial, tiros foram disparados e houve feridos.

Todo mundo anda armado. Discute-se, briga-se e mata-se por qualquer coisa. A vida vale pouco. Não, nem sempre foi assim.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Ruy Castro - Folha de São Paulo. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.