Acervo do Salão de Humor do Piauí é roubado e vendido em praça pública

tempo salãoNo início da história do Salão de Humor, Albert Piauí (ao centro), ao lado dos fundadores 

Albert Piauí, presidente da Fundação Nacional do Humor, anuncia que fez seu último Salão de Humor

Prédio da sede da Fundação Nacional do Humor: completamente depredado e abandonado

Quis o destino, quase sempre tão irônico, que o fim da história do Salão Internacional de Humor do Piauí, o evento cultural mais importante do Estado, com mais de 30 anos dxistência, fosse contado exatamente no mesmo local em que nasceu: a Praça Pedro II. Quem passar hoje pela principal praça de Teresina vai encontrar, à venda, estendido no chão ou num varal improvisado, o que restou do valioso acervo cultural do Salão.

Charges, caricaturas e cartuns – originais de alguns dos mais importantes artistas gráficos brasileiros – estão sendo vendidos ali, por preços que podem chegar a R$ 10, dependendo da barganha feita pelo desavisado pedestre, que atravessa diariamente a Pedro II. Um ponto em frente ao Theatro 4 de Setembro foi escolhido por hippies e moradores de rua – provavelmente todos usuários de drogas – para vender as peças que fazem parte da história da cultura piauiense.

São trabalhos que foram cedidos ao acervo do Salão de Humor do Piauí por cartunistas, chargistas e caricaturistas do mundo inteiro, que participaram de históricas edições do evento, realizadas ali, exatamente no 4 de Setembro e na Praça Pedro II. O Salão ganhava todo o Complexo Cultural, incluindo o Clube dos Diários e a Central de Artesanato Mestre Dezinho. É o mesmo cenário onde acontece o fato que pode ser considerado o emblema do trágico fim dessa história.

Parte das peças vendidas na praça está guardada nas mochilas desses ambulantes, que admitiram ter recolhido o material no prédio, hoje completamente depredado e abandonado, que funcionou como sede da Fundação Nacional do Humor (FNH). Quando conseguirem vender o que está exposto no varal e no chão da praça, eles usarão, para a mesma finalidade, os trabalhos guardados nas mochilas.

“Os ‘noiados’ da praça levaram o acervo”, lamenta o cartunista piauiense Paulo Moura, um dos grandes nomes da história do Salão, sobre o flagrante de depredação de um dos acervos culturais mais significativos do Estado. Paulo informou que as peças foram roubadas depois que as portas do velho prédio-sede da FNH foram arrombadas por vândalos e ladrões, neste ano. O arrombamento foi confirmado pelo presidente da FNH, Albert Piauí, que hoje mora em Parnaíba.

Entidade criada pelos artistas gráficos brasileiros, a FNH ganhou o direito de usar, como sede, através de um contrato de 20 anos, em regime de comodato, um espaço público de propriedade da Prefeitura Municipal de Teresina (PMT). O imóvel, localizado na Praça Ocílio Lago, no Bairro de Fátima, Zona Leste, foi reformado e adaptado, com recursos do Governo do Estado, para servir de sede da FNH, cujas instalações serviram também para guardar o acervo do Salão.

A alma do Salão

Como se vê, o acervo não resistiu à situação de abandono do prédio. A FNH tinha entre seus objetivos realizar o Salão, guardar e preservar o respectivo acervo, de inestimável valor cultural, e promover a cultura no Piauí. Antes propriedade do Governo do Estado, através da Fundação Cultural do Piauí (Fundac), o Salão de Humor saiu, nos anos 90, das mãos oficiais para as da FNH, sempre presidida pelo desenhista, artista plástico e produtor cultural Albert Piauí.

Abalado em ver, vendidas na praça, as peças do acervo do Salão, o cartunista Dino Alves, do Capital Teresina, também lamentou o fato. “O acervo era a alma do Salão, mesmo que ele esteja morto”, refletiu Dino Alves. “Não existe graça em ver o Salão de Humor do Piauí, em plena praça pública, esquartejado e vendido aos pedaços, por tão poucas moedas, que não compram nem um segundo da felicidade que um dia foi minha vida”, completou.

Jôsy Brito, atual diretora da Casa da Cultura, espaço vinculado à Fundação Cultural Monsenhor Chaves (FCMC), da Prefeitura de Teresina, também reagiu com perplexidade e tristeza em relação ao desaparecimento do acervo, ou de parte dele. Jôsy foi o braço direito de Albert Piauí por anos, e comandou a organização de várias edições do Salão. Ela tem uma história de vida igualmente ligada à do Salão.

“Que horror!”

José Elias Arêa Leão, ex-organizador e um dos fundadores do Salão – ao lado de Albert Piauí, do jornalista Kenard Kruel e do deputado Wilson Brandão –, se disse revoltado com a espoliação do acervo do Salão de Humor. “Revolta-me ver uma coisa dessas”, disse. “Estou horrorizado. É horrível uma coisa dessas. Meu pai do céu, que horror!” José Elias responsabilizou Albert Piauí pelo fato. “O Albert provocou tudo isso”, acusou.

Segundo Paulo Moura, “é lamentável que tenha acontecido”. “Pouco ou muito, o Governo do Estado sempre deu recursos para o Salão”, analisa as razões que levaram ao abandono do acervo. “Foi um descaso, má administração e uso muito ruim das verbas públicas, e hoje está se colhendo o que se plantou”, afirmou. Ele também responsabiliza Albert Piauí pelo fato. “Isso aí é uma coisa que ele tem que responder”, completou Paulo Moura, em relação ao presidente da FNH.

Surpreendido com a notícia, o cartunista piauiense Dodó Macêdo se disse chocado com a venda do acervo em praça pública, mas não quis dar entrevista ao Capital Teresina. Abalado, preferiu não se pronunciar, talvez em função da gravidade do fato, unanimemente associado à má gestão do evento, considerando a grande importância cultural do Salão para o Estado, que atraiu as atenções do País, por várias vezes, durante o evento.

Ziraldo e Millôr

Reconhecido e decantado nacionalmente, reverenciado pelos maiores gênios das artes gráficas do Brasil e de dezenas de países dos cinco continentes, o Salão do Piauí foi criado em 1982, e rapidamente ganhou projeção nacional e internacional. Em pouco tempo, passou a atrair os maiores, que vinham pessoalmente ao evento ou através de seus trabalhos. Nomes, como Grande Otelo, Jaguar, Lan, Millôr Fernandes, os irmãos Chico e Paulo Caruso e Ziraldo vieram ao Piauí.

Borjalo, Laerte, Fausto Wolf, o jornalista Sérgio Cabral, Chico Anysio, João Cláudio Moreno, Solda, Gilmar, Dil Márcio, Fernandes, Dálcio Machado, Duayer, Reinaldo, do Casseta & Planeta, Lailson, Jal e Gual, Lapi, Fred Ozanan e tantos outros também participaram do Salão. Todos eram unânimes em reconhecer a importância do Salão do Piauí, considerado o mais importante salão de humor do Brasil – ao lado do Salão de Humor de Piracicaba (SP).

Trabalhos originais de alguns desses brilhantes artistas jazem na calçada da Praça Pedro II, à espera de alguém que os compre, a preço de banana. Mas o personagem responsabilizado pelo descaso que levou à depredação do acervo, Albert Piauí, se defende das acusações. Segundo ele, o que aconteceu com a Fundação Nacional de Humor é fruto do abandono por parte das autoridades e da própria sociedade piauiense. “A fundação é apenas uma vítima do Piauí”, disse.

Último Salão

Albert Piauí, que se mudou para Parnaíba, em 2013, alega ter deixado uma pessoa para cuidar do prédio-sede da FNH. Ele sustenta ter tentado entregar a fundação, mas ninguém se interessou em dar continuidade ao trabalho da entidade. “Eu fiz o meu último Salão”, disse Albert Piauí, em relação à 30ª edição do evento, realizado pela primeira vez em Parnaíba, no ano passado. “Eu não tenho condições de cuidar. Ninguém ajuda. O Salão me adoeceu.”

Continua o presidente da FNH: “eu não quero mais saber de fundação, de Salão, de arte e cultura”. “Nunca mais vou interferir. Está tudo se acabando. É o retrato do que está acontecendo com a cultura do Piauí.” Albert denuncia o desaparelhamento da Fundac, o fim de outros importantes eventos culturais, que movimentaram o Estado no passado, e ainda a inexistência de museus e escolas de arte, entre outros aspectos. “Tudo no Piauí está em decadência.”

Albert apontou, como fatores que contribuíram para a desarticulação da Fundação Nacional do Humor, o desvio, para outros fins, de dinheiro originário de emendas parlamentares, destinadas à FNH. Ele cita emendas de políticos como Heráclito Fortes, Simplício Mário e Wellington Dias, que não chegaram à entidade. “Nunca tivemos condição de terminar o prédio”, desabafou. “Mas eu fiz minha parte, o que eu pude fazer pelo Piauí.”

Sérgio Fontenelle

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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