Por mais cético que possa parecer o comentário do internauta, ele está coberto de razão. Há antecedentes. Afinal, estamos no Brasil, o país dividido entre quem manda e quem obedece.
Um caso muito semelhante ao do desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, que humilhou o guarda municipal Cícero Hilário, no domingo, em Santos (SP), por se recusar a usar máscara durante um passeio na praia, aconteceu no Rio de Janeiro, em 2011 — e o desfecho da história já mostrava que país nós somos, meu caro Josias.
Durante uma blitz da Lei Seca, a agente de trânsito Luciana Tamborini teve o azar de parar o carro do juiz João Carlos de Souza Correia, que estava sem placas.
Correia estava também sem a carteira de habilitação e sem os documentos do carro, e simplesmente se recusou a fazer o teste do bafômetro, dando a popular carteirada do “sabe com quem está falando?”.
O processo na Justiça se arrastou por três anos e, ao final, o juiz saiu ileso. A agente de trânsito foi multada em R$ 5 mil “por abuso de poder”.
Na decisão judicial, o relator do processo, desembargador José Carlos Paes, considerou que Luciana Tamborini agiu com abuso de poder ao afirmar que o magistrado “era juiz, mas não Deus”.
Pois esse foi seu grande erro: eles, os togados chamados de excelências, consideram-se deuses, sim, acima do bem e do mal, inimputáveis.
“Não foi na intenção de ofender ninguém. Eu falei que ele não era Deus porque as coisas não são assim”, reagiu a inconformada agente de trânsito, que na época ganhava R$ 3 mil por mês e não tinha condições de pagar a multa.
O lado bom da história é que a mesma sociedade que produz magistrados como Siqueira e Correia fez uma “vaquinha” na internet e arrecadou mais de R$ 10 mil para Luciana acertar suas contas com a Justiça.
Se e quando for enquadrado na lei de abuso de autoridade, o desembargador paulista poderá ser condenado, segundo a lei, a até dois anos de cadeia.
Mas quem acredita nisso? Cadeia não foi feita para desembargadores. A pena máxima reservada pelos juízes a seus pares costuma ser a condenação à aposentadoria compulsória, com salário integral.
Ou seja, o valente desembargador Siqueira, que já é reincidente, poderá continuar cometendo os mesmos abusos, ganhando R$ 57 mil por mês, e chamando os outros de “analfabeto”, como fez com o guarda Cicero Hilário, que estava apenas cumprindo seu dever ao lhe aplicar uma multa de R$ 100.
Esse valor certamente não lhe faria muita falta, mas Siqueira fez questão de rasgar a multa em pedacinhos, jogar no chão, e sair andando, indignado. Onde já se viu tamanha afronta a uma autoridade superior.
Se não tivesse sido tudo filmado, e viralizado nas redes sociais, seria capaz de o desembargador ainda processar o guarda por “abuso de poder”, como aconteceu no caso do Rio.
Vida que segue.