Agonia sem fim

Luiz Antonio Nascimento

Nossa agonia é ainda maior por termos um presidente insensível à dor, desprovido de compaixão, empatia, piedade. Aquele que deveria dar o exemplo e nos conduzir com segurança em meio à tempestade é um homem burro, arrogante, mal-educado e teimoso, anestesiado de senso moral e nenhuma afetividade com a dor alheia. Um perigoso psicopata

Fiz as contas. Já são 400 dias de quarentena. E me pergunto: o que tem sido mais difícil? Aguentar este castigo que a natureza nos impôs indefinidamente ou conviver até 2022 com um governo incompetente, irresponsável e criminoso que em momento algum seguiu os conselhos da ciência para que pudéssemos atravessar essa pandemia com o mínimo de sofrimento?  

O que vai ser de nós? A angústia rouba o sono, tira a concentração. Os dias custam a passar, as noites são sempre maldormidas. Álcool por todo lado, máscaras sempre, medo permanente.de ser infectado. Falta leito, falta remédio, falta vacina, falta esperança. É insuportável – e ao mesmo tempo indispensável – assistir todas as noites aos noticiários que falam em muitas mortes, inúmeros casos, poucos imunizantes, novas variantes, nenhuma providência.

As imagens desfocadas passeiam por leitos tomados pelo medo da morte iminente. Escondem a dor que explode no choro e na revolta de quem perdeu mãe, pai, avô, filha, neto, o amigo próximo. Ou de quem reclama por uma transferência urgente – que nunca sai – de um parente para uma Unidade de Tratamento Intensivo. A mesma dor que aparece nos desabafos de médicos e enfermeiros denunciando a luta inglória, por total falta de recursos.

Tempos tristes que nos ensinam a importância da solidariedade, mas não conseguem explicar a desumanidade de quem faz pouco caso daqueles cuidados que só dependem de nós mesmos e são, comprovadamente, a única e eficiente maneira de se evitar a propagação da doença. Preferem desafiar o perigo imunes que são a um mínimo de racionalidade, um mínimo de sensibilidade.

Há quem justifique esse tipo de comportamento pelo fato de o Brasil jamais ter entrado em guerra, jamais ter vivido uma tragédia humanitária tão devastadora. Não aprendemos a sofrer. Sempre acreditamos que mal assim nunca nos atinge, alcança apenas os “outros”. Talvez estejamos aprendendo agora que uma dor coletiva só pode ser atenuada por um remédio único, geral, e cujo princípio ativo seja a preocupação com o próximo.

Nossa agonia é ainda maior por termos um presidente insensível à dor, desprovido de compaixão, empatia, piedade. Aquele que deveria dar o exemplo e nos conduzir com segurança em meio à tempestade é um homem burro, arrogante, mal-educado e teimoso, anestesiado de senso moral e nenhuma afetividade com a dor alheia. Um perigoso psicopata.

Ainda no sábado, lá estava ele, em Goianápolis, a provocar aglomerações sem máscara e a apertar a mão de apoiadores fanatizados. Por que ele insiste nesse tipo de comportamento irresponsável e negacionista? Perguntem ao doutor Queiroga, que, apesar de médico, vem engolindo sapo desde que assumiu o lugar do general Pazuello no Ministério da Saúde. Em tempo: atrás de uma “boquinha” que lhe garanta imunidade, Pazuello não larga o pé do chefe – foi com ele a Goianápolis.

Contraditório esse Queiroga. Vê, em silêncio cúmplice, o presidente fazer tudo o que não deve, mas manda seu secretário executivo ir à tevê para pedir que as mulheres não engravidem por causa da pandemia. E, incapaz de solucionar o problema da falta de sedativos para intubação, vai ele mesmo à tevê para, irritadiço, dizer que os Estados devem assumir essa responsabilidade e não “empurrar isso para as costas do Ministério”. Ressalte-se que, graças a um grupo de empresas, um carregamento de remédios chegou ao Brasil na quinta-feira para socorrer hospitais públicos em pelo menos 10 Estados.

Uma chama de esperança, contudo, pode ser acessa esta semana, acalentada pela palavra justiça. São duas ações que devem enquadrar o governo e fazer com que medidas efetivas sejam tomadas no combate à pandemia. A primeira é a instalação da CPI da Pandemia, no Senado Federal. Coletar os desmandos de Bolsonaro nesses 13 meses é tarefa das mais fáceis. Todo mundo sabe de cor o que o presidente disse sobre a tal “gripezinha”; sabe da insistência contra o isolamento; da inexistência de um programa social mais amplo que permitisse uma quarentena mesmo que parcial; da ausência de um plano que protegesse quem precisasse trabalhar; do lobby por um medicamento comprovadamente ineficaz e perigoso, e da campanha contra as vacinas.

A outra ação também partiu do STF. A ministra Carmen Lúcia deu um prazo até quarta-feira para que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, explique por que não deu qualquer resposta às mais de 100 ações que foram apresentadas pedindo o impeachment do presidente. O que Lira vai fazer, logo ele que teve apoio do chefe da nação para chegar à presidência da Câmara?

Bolsonaro já se manifestou, E, para variar, num tom ameaçador, característico do falastrão que sempre defendeu regimes de exceção. Profetiza o caos principalmente pela fome que, como governo, não soube evitar e incita a população a reagir contra aquilo que fez de errado ou simplesmente não fez. Comporta-se como o pugilista que, imprensado contra as cordas, sai desferindo golpes a esmo antes de cair nocauteado.

Para a fiel claque da porta do Alvorada, disse que o Brasil está no limite, “um barril de pólvora”. E mandou o recado: “O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria, o desemprego estão aí, pô…”

Na live semanal, voltou a lamentar o futuro do Brasil e a provocar uma reação: “Se o povo cada vez mais se inteirar, se informar, cutucar seu vizinho… Eu sei onde está o câncer do Brasil. Se esse câncer for curado, o corpo volta a sua normalidade. Estamos entendidos?”

Na mesma live, reagiu à notícia do pedido feito pela ministra Carmen Lúcia: “Só Deus me tira da cadeira presidencial e me tira, obviamente, tirando a minha vida. Fora isso, o que estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar. Mas não vai mesmo”.

Resta saber se Deus, em sua infinita bondade, irá cometer esse pecado mortal.

Para completar:

– A sina de quem não parou de trabalhar. Estudo publicado pelo jornal El País – e tema da coluna de domingo de Dorrit Harazin em O Globo – revela que no primeiro bimestre de 2021, em relação ao mesmo período de 2020, houve disparada de mortes entre frentistas (68%), caixas de supermercado (67%), motoristas de ônibus (62%) e vigilantes (59%). Com a palavra, o presidente.

– O que se pode esperar da participação de Bolsonaro na Cúpula do Clima que começa quinta-feira, via web? As mentiras de sempre.  

– Nesse ambiente virtual, participa também Ricardo Salles, o ministro do Meio-Ambiente defensor dos madeireiros que, na cara de pau, vai pedir US$ 1 bilhão a Biden para “proteger” a Amazônia. Na real, melhor acompanhar Ernesto Araújo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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