Melhor não tê-los

Alguns filhos de presidentes confundem o porão do palácio com o da família

“Filhos… Filhos!/ Melhor não tê-los!/ Mas se não os temos/ Como sabê-los?/ […]/ Cocô está branco/ Cocô está preto/ Bebe amoníaco/ Comeu botão/ […]/ Filhos são o demo/ Melhor não tê-los/ […]/ Chupam gilete/ Bebem xampu/ Ateiam fogo/ No quarteirão […]”. 

Todo mundo conhece esses versos. São do “Poema Enjoadinho”, de Vinicius de Moraes, feito em Los Angeles, onde ele morava nos anos 40, para seus filhos Pedrinho e Susana. Anos depois, convencido de que era uma boa ter filhos, Vinicius foi em frente e teve mais três, Luciana, Georgiana e Maria. Eles não o chamavam de papai. Chamavam-no de Vinicius, o que infere uma relação amorosa, mas adulta, entre pai e filhos.

Não sei se se pode dizer o mesmo de Flávio, Eduardo e Carlos, filhos de Jair Bolsonaro. Pelo jeito com que eles se apresentaram a nós em adultos, dão a impressão de terem sido daquelas crianças que, no restaurante, se metiam por baixo das mesas, faziam guerra de azeitona e infernizavam o almoço dos outros clientes enquanto seu pai —era o fim de semana dele com os filhos— estava muito ocupado doutrinando o maître sobre anticomunismo. Ao descobrir que devia tê-los posto na linha, era tarde demais.

Filhos de presidentes deveriam ser discretos. As meninas de Juscelino, Jânio, Geisel, Itamar, Dilma e Temer eram mais do que isso —quase invisíveis. Os de Jango, Collor e o caçula de Temer eram crianças. E, dos filhos de outros presidentes, civis ou militares, sempre se soube mais do que se podia provar —porque eram competentes. Já os que confundiram os porões do palácio presidencial com o porão da família e acharam que iam se dar bem nem sempre saíram ilesos. Vide Lutero Vargas, Roseana Sarney, os filhos de Lula —os sobrenomes falam por si.

Para Bolsonaro, o alegre desembaraço de seus filhos tem uma vantagem. Com eles à solta para aprontar, ele não precisará de oposição. 

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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