Aloprar ou recrudescer

Nossos presidentes, quando menos se espera, cometem ousadas piruetas verbais

Há semanas, agoniado com as investigações do Ministério Público do Rio sobre a “rachadinha” no gabinete de seu filho Flávio quando deputado estadual, Jair Bolsonaro ejaculou: “Se não tiver a cabeça no lugar, eu alopro!”. Aloprar significa ficar inquieto, agitado —aloprado. E Bolsonaro tem razão para aloprar —talvez já esteja sentindo a Justiça perigosamente perto das trampolinagens da família. Mas vamos ser justos. Num governo estrelado por tantos analfabetos, inclusive ele, surpreende vê-lo resgatar um verbo tão exótico e pouco usado.

O general João Batista Figueiredo, último presidente da ditadura, também apelou certa vez para um verbo incomum. Reagindo às tremendas pressões sobre ele, vindas tanto dos civis quanto da linha-dura militar, Figueiredo explodiu: “Olha que eu recrudesço!”. O país parou, expectante. Parecia uma ameaça
—mas de quê, como e contra quem? No Pasquim, Jaguar botou seus dois calunguinhas para discutir. Um deles pergunta: “O que é ‘recrudesço’?”. E o outro: “Não sei. Mas tem cru no meio”.

Jânio Quadros passou à história por ter justificado sua renúncia à Presidência da República com o imortal “Fi-lo porque qui-lo”. Depois tentou emendar, dizendo que o certo era “Fi-lo porque o quis”, mas isso não alterou seu gambito politicamente suicida. Michel Temer, por sua vez, deixou saudades por seu domínio da mesóclise: “Se perceber algo errado na condução de meu governo”, ele disse, “consertá-lo-ei”. E fê-lo bem ao dizê-lo —mas, se a Justiça continuar procurando algo errado em seu governo, encontrá-lo-á.

E Dilma Rousseff, que levou o pensamento lógico a níveis patafísicos, usava os verbos como ninguém, como nesta passagem que ainda intriga os filólogos: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar ou perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”.

Só resta ao povo aloprar ou recrudescer.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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