Filme grego “Alpes” mostra personagens que assumem vidas de pessoas mortas. A crise financeira que assola a Grécia nos últimos anos não interrompeu a produção cinematográfica do país. Pelo contrário, o caos enfrentado pela nação europeia parece ser inspiração para que uma nova geração de diretores lance reflexões sobre a terra natal.
Cineastas identificam a demência como uma espécie de estado de espírito da população grega e a utilizam como motor narrativo para suas experimentações de linguagem, que muitas vezes parecem pouco mais do que protestos adolescentes.
Giorgios (Yorgos) Lanthimos é o diretor que melhor exemplifica o atual momento do cinema no país. Há três anos, ele dividiu opiniões com “Dente Canino”, filme que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro e ganhou o prêmio da seção Um Certo Olhar no Festival de Cannes.
A história da família que protege os filhos adultos do mundo exterior – tratando-os como crianças débeis – seria uma metáfora meio torta de uma Grécia que não consegue enxergar além do próprio umbigo e tem medo de arriscar. O limite do cineasta está além do ridículo, que não raras vezes assume o comando e desperta desconfiança quanto à originalidade do filme.
“Alpes”, filme que integra a seleção da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2012, mostra que o diretor grego está mais controlado, apesar de ainda se dedicar a temas pouco convencionais. O título se refere a um grupo de pessoas — que usam nomes de montanhas – e oferecem seus serviços para famílias que tiveram perdas recentes, assumindo por um tempo os papéis dos entes queridos falecidos.
O filme assume os traços surrealistas que o ponto de partida sugere e reprisa o padrão de comportamento dos personagens do longa anterior de Lanthimos, mas sem a opressão do modelo que ele mesmo ajudou a criar.
No entanto, apesar da trama esdrúxula, o cineasta consegue materializar melhor seu objetivo em “Alpes” e faz uma interessante reflexão sobre a perda. À medida em que os quatro protagonistas invadem consentidamente casas, roupas e vidas alheias, eles despertam suas fragilidades e desejos, sentimentos capazes de induzi-los a um estado de completa alienação — talvez mais uma alegoria à situação da Grécia, cuja crise teria colocado em xeque a identidade da nação.
Curiosamente é com uma solução de roteiro mais convencional que Lanthimos refina seu discurso, o que pode não agradar aos fãs de “Dente Canino”.