Corujas
Filhos da noite crocitamos, curtos os revôos do chão ao oco da velha paineira e desta, ainda outra vez, ao chão, onde buscamos a carne crua de um pardal morto a pânico e pedrada. Coruja sucinta, o que de olhos teus abrem-se fixos, maiores do que a cara redonda onde o bico é um dente de cartoon americano? Sob a lua que, de cheia, imensa passeia os quintais úmidos, largo-te aos pés nova carniça nova e palpitante. Me olhas de longe, de tão longe me olhas, sobre o poleiro, que nem sei se o que vês é o futuro ou o passado que por nós passou – memória, rememória, gélido desenho do nada. Coruja, coruja, só sabes, do amor, as crias. Ah, só a estas dedicas os teus desvelos! Rumorejo, ronronas, rides com nojo, asas abertas, as duas, a guardar a ciência de vosso ninho. Do qual, claro, me excluis, a furiosas bicadas.
Guepardos
Perdidos do bando, feito uma sina, transpusemos já não sei quantas savanas. Os dois, só nós dois. Magros e de pintalgadas manchas sobre o pêlo rude, à sagacidade do vento, guepardos, ondulamos -vôo? – sob o céu. Só não sei, talvez em razão da pressa, quem, de nós dois, o primeiro mortal. Severo equívoco imaginar que desapareças de mim; que antes de mim findes – impunemente. Antes de mim? Como? Num balé de ágeis impulsos somos só uma felina espécie de caça. Aves? Vejo a morte amadurecer em vossos olhos quando percebo que sobre eles passa uma sombra (nuvem da tarde?), rápida, quase invisível. Atravessa-te a íris-de-mel, a sombra, e já enevoa vossos olhos dourados. Engalfinho-me em você, teso desejo, e vos mordo a nuca a dilaceradas dentadas. É assim que me subjugas, me humilhas e me achacas por guardar dentro o aguilhão do sexo. Nem desconfias que quem capitula sou eu, baixo a fissura explícita de vos amar escandalosamente.
Wilson Bueno [26/11/2006] O Estado do Paraná