Amor Animal.

Vespas

Não se lhes toque com os dedos as casas diligentes, as casas ávidas! Enxamearão numa falácia de agulhas tensas, e latejantes. Pelo ar e pelos galhos, pelas árvores e pela cor da tarde, revôo bélico, múltiplo, homicida – milhares delas a defender, baixo furiosas ferroadas, o ninho. Nem queria, mas, só para não me perder de mim, forço o movimento da carícia em seu braço e nele o toque levanta a penugem dourada. Você toma a ambos como quem te escarra e vilipendia – não que não ames – suplício de sete noites em que, por puro despeito, me recusas, espicaças, ao zunir d’antenas. Depois, vais chorando pela viela turva vossas lágrimas de menina. A estreita anoréxica cintura, o mover das omoplatas, o ombro ossudo, o fino pescoço, vais. Só então me assusto que definitivamente morras. Junto com o ferrão deixastes, para sempre em mim, vossas essenciais vísceras e asas.

Corujas

Filhos da noite crocitamos, curtos os revôos do chão ao oco da velha paineira e desta, ainda outra vez, ao chão, onde buscamos a carne crua de um pardal morto a pânico e pedrada. Coruja sucinta, o que de olhos teus abrem-se fixos, maiores do que a cara redonda onde o bico é um dente de cartoon americano? Sob a lua que, de cheia, imensa passeia os quintais úmidos, largo-te aos pés nova carniça nova e palpitante. Me olhas de longe, de tão longe me olhas, sobre o poleiro, que nem sei se o que vês é o futuro ou o passado que por nós passou – memória, rememória, gélido desenho do nada. Coruja, coruja, só sabes, do amor, as crias. Ah, só a estas dedicas os teus desvelos! Rumorejo, ronronas, rides com nojo, asas abertas, as duas, a guardar a ciência de vosso ninho. Do qual, claro, me excluis, a furiosas bicadas.

Guepardos

Perdidos do bando, feito uma sina, transpusemos já não sei quantas savanas. Os dois, só nós dois. Magros e de pintalgadas manchas sobre o pêlo rude, à sagacidade do vento, guepardos, ondulamos -vôo? – sob o céu. Só não sei, talvez em razão da pressa, quem, de nós dois, o primeiro mortal. Severo equívoco imaginar que desapareças de mim; que antes de mim findes – impunemente. Antes de mim? Como? Num balé de ágeis impulsos somos só uma felina espécie de caça. Aves? Vejo a morte amadurecer em vossos olhos quando percebo que sobre eles passa uma sombra (nuvem da tarde?), rápida, quase invisível. Atravessa-te a íris-de-mel, a sombra, e já enevoa vossos olhos dourados. Engalfinho-me em você, teso desejo, e vos mordo a nuca a dilaceradas dentadas. É assim que me subjugas, me humilhas e me achacas por guardar dentro o aguilhão do sexo. Nem desconfias que quem capitula sou eu, baixo a fissura explícita de vos amar escandalosamente.

Wilson Bueno [26/11/2006] O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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