Anotações à margem de livros de arte

Diante de esculturas de Auguste Rodin: O Pensador não me leva à introspecção. O que impressiona é a convicção dele: não renova seus pensamentos desde 1880! Já O Beijo arrebata: a impressão é que o mármore ganhou mucosas. E na mão pousada na anca há mais leveza que num gesto humano.

Diante da pintura de Edward Hopper e de Norman Rockwell: Vistas lado a lado, as cenas e os personagens induzem a um hipotético intercâmbio: os otimistas e eufóricos de um animariam os ambientes do outro? E os melancólicos e isolacionistas daquele, contaminariam os cenários deste?

Diante de Nu Descendo a Escada de Marcel Duchamp: No cubismo, a fragmentação do ponto de vista é tudo. Como composição, o quadro deleita a percepção. Irresistível é não pensar num tombo.

Diante dos móbiles de Alexander Calder: Fazer flutuar o mais pesado que o ar envolve as leis da física, ponto. Mas a imaterialização do aço vai além, dois pontos. O que o escultor equacionou foi a brisa, ponto de exclamação.

Diante dos retratos de Amedeo Modigliani: Demasiado esguias dos ombros para cima, as figuras tendem a confundir os anais da endocrinologia. Nunca as disfunções das glândulas tireóide e hipófise influíram tanto na arte.

Diante dos girassóis de Vincent Van Gogh:Se a natureza não dá graça a certas flores, o talento compensa. Para quem avalia quadros pelo valor de mercado, pigmentos amarelos podem chegar a 36 milhões de dólares. O que ainda não se viu foi hectares de canola em flor inspirar pintor nenhum. Nem leilão de quadro de natureza morta com soja.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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