Executivo e Legislativo dançam uma valsa dessincronizada em torno da PEC da Transição. Sem meias palavras, a proposta reduz a necessidade de Lula junto ao Congresso, pois garante recursos para o seu principal programa social indefinidamente e ainda prevê um troco para poder investir discricionariamente. Ou seja, não será preciso negociar politicamente todos os anos o desenho do Bolsa Família, que passa a não estar sujeito às flutuações da arrecadação, ao humor político e às disputas entre partidos por mais ou menos espaço no governo.
Uma primeira leitura da proposta pode indicar que o novo governo quer dar previsibilidade ao programa social que, de fato, sofreu com idas e vindas desde a pandemia. Uma segunda vista, no entanto, sugere que a PEC pode significar uma jogada mais audaciosa, de tentar capturar uma fatia do Orçamento e diminuir a influência recém adquirida de deputados e senadores na balança dos poderes.
Esperava-se que essa questão viesse para o debate pelas mãos do STF, que pode declarar inconstitucional o mecanismo que possibilita as Emendas de Relator (RP9) em ação relatada pela presidente Rosa Weber. No entanto, a PEC antecipou a investida e pode, inclusive, estar sendo usada nos bastidores como moeda de troca.
Quando o senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) afirmou que Lula preferiria resolver o problema do orçamento secreto politicamente, passou-se a especular o que presidente eleito poderia oferecer em troca. O apoio petista à reeleição de Arthur Lira (PP/AL) e Rodrigo Pacheco (PSD/MG) às presidências da Câmara e do Senado foi a associação automática. A PEC da Transição, nesse sentido, pode estar desempenhando um papel duplo: ser o “fio do bigode” que honrará o contrato os chefes dos poderes e melhorar a posição do Executivo na negociação.