Ali se encontra o carpinteiro, o amolador de facas, o barbeiro, a costureira, o ferreiro, o gráfico, o sapateiro, o latoeiro, o açougueiro, o alfaiate, a rendeira, o padeiro, o boticário, os tecelões… Gente humilde, mas talentosa, que fazia (e ainda faz) do trabalho a sua arte e do ofício uma missão.
Gosto de relembrá-los. Com eles retorno a momentos de saudosa memória, a tempos bem mais simples e saudáveis, em que as pessoas valiam pelo que faziam e pelo que produziam em benefício da coletividade e não pelo patrimônio que reuniam ou exibiam.
Meu avô Heitor, antes de passar a registrar nascimentos, casamentos e óbitos, como escrivão, foi seleiro, fabricava e vendia selas, selins e arreios, na vila de Araucária, antes que ela se transformasse em cidade e virasse a desgraça que hoje é. Foi o modo que encontrou para sustentar a família, nos primórdios do século passado.
O outro avô, Guilherme, era carpinteiro, profissão que aprendera ainda menino em Berlim, na Alemanha, onde nascera. Levava o ofício a sério, era um perfeccionista, não aceitava coisas mais ou menos bem feitas e não se limitava a fazer móveis e outras peças de madeira. Projetou e construiu, com caprichado resultado, muitas casas que se encontram ainda de pé e em plena utilização na velha Lapa dos heróis, onde nasci.
Dos meus tios mais próximos, um era sapateiro; o outro, merceeiro. O primeiro, doce criatura, batia sola, costurava o couro e pregava solados até altas horas da noite. Nunca reclamou disso. Era feliz no que fazia, ainda que só ganhasse o suficiente para sobreviver. O segundo encostou balcão a vida inteira. Tinha uma pequena venda. Mas no negócio de secos e molhados era mestre. Também não deixou fortuna, apenas um bom nome na praça e isto lhe foi suficiente.
Hoje, a indústria, as grandes corporações, tomaram conta do pedaço. Mesmo nesta Curitiba, que ainda guarda resquícios de província, não há mais selarias, ferrarias ou latoeiros. Raros são os açougues à moda antiga; quase não se acha mais alfaiates, encanadores, costureiras, mercearias; as padarias modernizaram-se, o pão quentinho já é mero coadjuvante; os barbeiros viraram cabeleireiros e ganharam grife.
Ninguém quer mais ser marceneiro, pintor de paredes ou eletricista. Agora, todos querem ser doutores, cursar uma faculdade e sair dali com um diploma nas mãos. E assim, com as chaves da graduação superior, chegam ao mercado. Só que muitas serão as chaves e poucas as portas. E aqueles que não encontrarem portas para abrir não terão alternativa: com chaves e tudo, irão atuar em supermercados, shoppings, restaurantes; fabricar sucos e sanduíches ou dirigir táxis/úberes, sem nenhuma ofensa aos mercadistas, shoppinistas, garçons, sanduicheiros e taxistas.
Não por acaso, meu saudoso amigo Rubem Alves, que passou a vida educando, tinha uma tese interessante, com a qual concordo inteiramente: ao ingressar numa universidade, todo aluno deveria, ao mesmo tempo em que cursa um curso universitário “nobre”, como medicina, direito, engenharia, jornalismo, pedagogia, biologia, odontologia, psicologia etc., aprender, ali mesmo, um ofício, como de jardineiro, pedreiro, serralheiro, mecânico etc. Rubem chegou a fazer essa proposta ao corpo docente de uma conceituada escola superior de São Paulo. Acharam que ele estava brincando.
E nós, lamentavelmente, estamos fadados a, muito em breve, encontrar os virtuosos (e indispensáveis) artífices e artesões apenas em antigas folhinhas de parede, nas velhas enciclopédias ou em histórias do passado.