Não quebre promessas com a máfia ou com seus filhos pequenos
Há duas categorias com as quais convém honrar os nossos compromissos: a máfia e os filhos pequenos. Os filhos pequenos, principalmente. Afinal, se você promete à Cosa Nostra que no sábado às 18h pagará a mesada pela “proteção” da sua quitanda e aparece sem a bufunfa, é sempre possível protelar a dívida mediante uma perna quebrada ou trocar o valor pela execução de um ou outro soldado raso da família rival. Mas se garantiu aos filhos de cinco e três anos que no sábado às 18h vai chamar os primos e botar colchões na sala para assistirem a “Esqueceram de Mim 2” e não conseguiu encontrar “Esqueceram de Mim 2” para compra ou streaming em lugar algum, você cometeu um crime sem perdão; a pedra de concreto com que aqueles quatro olhinhos furibundos emoldurarão seu coração te levará instantaneamente do alto da ponte iluminada do orgulho paterno para o fundo do caudaloso rio da culpa.
Nesta meia década de experiências audiovisuais com meus filhos, nem Galinha Pintadinha, nem Peppa, nem “Frozen” tiveram o efeito de “Esqueceram de Mim”. Foi nível beatlemania. Eles assistiram às aventuras do Kevin todos os dias por duas semanas e riam em cada cena como se fosse a primeira vez. Meu filho mais novo chegou a pedir ao Papai Noel que trouxesse para mim um frasco de loção pós-barba. Então, numa atitude tão bem intencionada quanto impensada, revelei que o filme tinha continuação e anunciei que eles a veriam no próximo sábado. Com os primos. Em colchões, na sala.
Só na sexta à tarde descobri que não havia “Esqueceram de Mim 2” na Netflix, no Globo Play, no Now, na Apple TV, na Amazon Prime e que o DVD estava esgotado na Cultura, no Submarino e nas Lojas Americanas. Desesperado, recorri ao Mercado Livre. Esperança: havia ali vários DVDs de “Esqueceram de Mim 2”. Desalento: nenhum para retirada. Todos ofereciam enviar a compra por Sedex. Na terça, quando o envelope chegasse em casa, eu já estaria dormindo com os peixes no leito eterno do descrédito familiar. Um dos vendedores, porém, disponibilizava o telefone.
“Oi, amigo. Aqui é o Antonio. Eu acabei de comprar o ‘Esqueceram de Mim 2’. Posso pegar aí?”. “Então, é que eu não trabalho com retirada, só com envio”. “É, eu sei, mas é que é meio urgente, eu passo aí”. “No caso, não tem condição, mesmo”. “Amigo, eu prometi pra minha filha de cinco e pro meu filho de três que eles vão ver o filme amanhã à tarde. Eles chamaram os primos. Faz uma semana que só falam disso! Pelo amor de Deus!”. Longo silêncio. “Tá ligado o Leroy Merlin da marginal Pinheiros?”. “Aham”. “Eu te encontro no estacionamento”. (Disclosure: eu invento muita coisa em crônica, mas este diálogo é 100% real).
“Aonde, no estacionamento?”. “Tem um bagulho branco que vende planta. Tipo uma barraca. Te encontro atrás”. “Beleza”.
Foi minha mulher que —como sempre— me trouxe à sensatez. Nenhuma transação em estacionamento jamais terminou bem. Pelo menos, é o que nos ensina Hollywood. Eu iria ser sequestrado. Extorquido. Acordaria na famosa banheira de gelo, sem os rins. Minha conta bancária, meus órgãos internos e minha dignidade foram salvos pelo Facebook. “Algum amigo ou amiga tem aí um DVD, Blu-Ray ou pendrive contendo o filme “Esqueceram de Mim 2″? É uma emergência!”.
Venho por meio desta agradecer aos generosos Zé e Rosa, pais da minha amiga Mariana, que gentilmente emprestaram o DVD dos netos. Devo a eles duas horas de gargalhadas infantis e a preservação de minha honra: obrigado! (E se não for pedir muito nem fazer mau uso desde nobre espaço de utilidade pública: alguém aí teria o “Esqueceram de Mim 3”?).