Ao mestre, com carinho

O escritor Oscar Wilde dizia que nunca se deve dar a uma mulher nada que ela não possa usar à noite. Ao homem, escolher um presente de Natal é relativamente fácil: basta escolher alguma coisa que ele possa usar num estádio de futebol.

Na semana passada, o professor de Física Jorge Manika viu-se num dilema: o que dar de presente de Natal para um amigo também professor do Colégio Dom Bosco. A escolha tornou-se ainda mais complicada porque, bem sabem os mestres, o mais caro dos presentes é aquele que une o valor de um apreço, com aquilo que não tem preço. O professor Manika decidiu, então, dar ao amigo Gastão Vieira de Alencar uma camisa de futebol, e lembrou-se de um triste episódio deste notável professor de História.

Há muitos anos, assaltaram a casa do professor Gastão e dela roubaram tudo o que havia de algum valor. Inclusive uma peça que para muito poucos teria algum valor: a histórica camisa do saudoso Clube Atlético Ferroviário que, há 35 anos, depois de várias fusões – com Britânia, Palestra Itália, mais adiante o Colorado -, veio dar vida ao Paraná Clube.

A camisa não era uma camisa qualquer: levava no peito o autógrafo do lendário craque Paulo Vecchio. E Vecchio, por sua vez, não era um craque qualquer: era um meia-atacante de 1m80 de altura, encorpado, rompedor e impiedoso cabeceador. Gaúcho, passou pelo São Paulo, Londrina, Metropol (o memorável time de Santa Catarina), Ferroviário e chegou a ser o herói do Coritiba F.C. no histórico Atletiba de 68, quando o Clube Atlético Paranaense foi miseravelmente batido por um a zero.

No penúltimo minuto de jogo, o lateral Nilo cobra e Paulo Vecchio pula antes, acerta uma cabeçada na bola. É gol do Coritiba! Gol de Paulo Vecchio! A torcida coxa, já fora do estádio, explode de felicidade. O Coritiba era campeão novamente, após oito anos de espera.

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A camisa do Paulo Vecchio era uma relíquia para os já raros descendentes do falecido Ferroviário. Mesmo com essa pista, o larápio devia ser um torcedor do Ferroviário, a polícia não recuperou nem mesmo o radinho de pilha do professor Gastão Vieira de Alencar.

41 anos depois de o Ferroviário ter conquistado o campeonato paranaense de 66, quando Paulo Vecchio autografou aquele manto sagrado, o professor Manika decidiu refazer a história, refazer a camisa. Descobriu na Praça Afonso Botelho, na baixada atleticana, um senhor que não só vende camisas de futebol, como também refaz uniformes de qualquer time. Basta levar ao artesão uma fotografia, uma amostra, até um tosco desenho.

E assim foi feito. Pouco mais fácil foi conseguir um novo autógrafo de Paulo Vecchio: hoje o goleador, com 68 anos, trabalha na associação dos funcionários da Caixa Econômica Federal, tem três filhas, cinco netos e uma questão mal resolvida em família: a filha mais velha é atleticana doente, uma ovelha rubro-negra naquele rebanho paranista.

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Uma velha/nova camisa do Clube Atlético Ferroviário autografada por Paulo Vecchio, este o mais caro dos presentes, aquele que une o valor de um apreço, com aquilo que não tem preço. Este o presente que Jorge Manika vai dar ao amigo neste Natal.

Dante Mendonça

[12/12/2007] O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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