Antes mesmo de nascer, Brasília já estava sendo vendida
Quando vejo a Granja do Torto na televisão, ocupada por este ou aquele presidente —seus principais moradores, até hoje, foram João Goulart (1961-1964), João Baptista Figueiredo (1979-1985), Lula (2003-2010) e, agora, Jair Bolsonaro—, fico me perguntando como seria se a criação de Brasília não tivesse sido marcada, já então, por tretas, mutretas, fraudes, engodos e ludíbrios. Talvez eu não estivesse aqui, escravo do teclado. Estaria em Brasília, rico, aposentado e, quem sabe, de tornozeleira.
Em 1956, assim que Juscelino Kubitschek anunciou a mudança da capital, do Rio para o Planalto Central, tudo passou a girar em torno de Brasília. Falavam-se maravilhas do projeto de Lucio Costa —ainda não se sabia que seria uma cidade sem ruas, sem esquinas e sem cidadãos andando a pé— e dos prédios de Oscar Niemeyer, embora, depois de prontos, eles lembrassem conjuntos habitacionais.
O fato é que, a partir dali, milhares de corretores começaram a varejar o país vendendo lotes na nova capital. Era uma oportunidade única. Imagine, um terreno perto do Plano Piloto, acessado por um eixo monumental, à beira de um lago e a dez minutos do Palácio da Alvorada!
Foi o que um deles ofereceu a meu pai, estendendo sobre a mesa um enorme mapa de papel encerado, cheio de quadradinhos amarelos. Era só decidir quantos lotes queria, dar uma entrada e receber a escritura ao fim de quatro ou cinco prestações. E assim se fez. Meu pai escolheu os quadradinhos e, meses depois, tornou-se um feliz proprietário na futura Brasília.
Brasília ficou pronta, foi inaugurada, posta para funcionar e, por um motivo ou outro, só alguns anos depois o velho se lembrou de ir lá para vistoriar sua propriedade. Mas nem chegou a comprar a passagem. Um exame do mapa constatou que o terreno que o “corretor” lhe vendera já estava ocupado. Era a residência oficial da Granja do Torto.