Augusto Aras chega ao término de seu segundo mandato no comando da PGR (Procuradoria-Geral da República) dedicado à tentativa de apagar a imagem, amplamente difundida, de ter sido leniente com abusos de Jair Bolsonaro (PL) e com a resposta errática do ex-presidente à pandemia da Covid-19.
A gestão de Aras se encerra nesta terça-feira (26) sem que o presidente Lula (PT) tenha indicado alguém para substituí-lo —o nome do escolhido será submetido ao Senado Federal. A PGR será comandada interinamente pela subprocuradora-geral Elizeta Ramos, que atualmente ocupa a vice-presidência do Conselho Superior do Ministério Público Federal.
Desde o retorno de Lula ao Palácio do Planalto em janeiro, Aras intensificou, seja em canais institucionais ou em intervenções públicas, o discurso de que ele não foi tolerante com os poderosos e com os arroubos golpistas de Bolsonaro e aliados.
Em uma de suas derradeiras manifestações, ele disse que seus dois mandatos foram desafios “cercados por incompreensões e falsas narrativas”.
A fala ocorreu no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) na última quinta (21), diante de ministros que em algumas ocasiões cobraram ação do chefe da PGR em diferentes temas, entre eles a inação de Bolsonaro no enfrentamento à pandemia.
As cobranças não se restringiram aos bastidores. Magistrados do STF criticaram métodos da PGR sob Aras em decisões públicas, como as chamadas “apurações preliminares” conduzidas pelo órgão sem a devida supervisão da corte.
Ao se despedir do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) nesta segunda (25), Aras voltou a se apresentar como o fiador do “equilíbrio democrático” no país.
Ele chegou ao topo da carreira do MPF (Ministério Público Federal) em 2019 sem se submeter à votação interna (lista tríplice) tradicionalmente promovida pela entidade que representa a categoria. Contou com apoios de políticos próximos de Bolsonaro.
Ainda no seu processo de indicação, direcionou críticas à Lava Jato e, tão logo tomou posse, atuou para enterrar forças-tarefas da operação existentes no MPF. A justificativa para isso era desarticular grupos que, segundo ele, tinham se empoderado na estrutura da instituição. O movimento agradou a classe política.
O tom nas cobranças a Aras subiu ao longo de 2020 com o avanço da pandemia e as manifestações de caráter golpista nas ruas promovidas por apoiadores de Bolsonaro.
Aliados do ex-presidente miraram sobretudo o STF e seus integrantes após a corte assegurar a governadores e prefeitos poderes para decretar medidas de isolamento social, uma política criticada por Bolsonaro.
Em nome do que considerou liberdade de expressão, Aras relutou em agir mesmo diante da escalada do teor golpista nas manifestações, incentivadas por nomes do bolsonarismo no Executivo e no Legislativo. Foi cobrado pelos próprios pares para que investigasse o ex-mandatário.
Bolsonaro terminou o segundo ano da pandemia responsabilizado pela CPI da Covid do Senado, que sugeriu enquadrá-lo em crimes como prevaricação e epidemia com resultado morte. Mas o relatório da comissão e o material franqueado pelos senadores não vingaram na Procuradoria.
Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, do STF, ordenou a reabertura de uma apuração sobre supostas omissões da gestão Bolsonaro na pandemia e determinou que a PGR se manifeste sobre eventuais crimes cometidos pelo ex-mandatário.
Em um relatório divulgado neste mês sobre os quatros anos de gestão, Aras afirma que uma das frentes da atuação criminal da PGR junto ao Supremo foram “medidas tomadas contra pessoas acusadas de práticas como ameaças a ministros da Suprema Corte, incitação ao crime e tentativa de abolição do Estado de Direito, entre outras”.
Ele citou dois casos: Daniel Silveira (PTB-RJ) e Otoni de Paula (MDB-RJ), acusados de ataques ao ministro Alexandre de Moraes, relator das apurações dos atos antidemocráticos, e a outros integrantes da corte. Silveira foi condenado e o tribunal abriu ação penal contra Otoni.
O PGR também fez menção ao caso de Carla Zambelli (PL-SP), denunciada após perseguição, com arma em punho, a um homem nas ruas de São Paulo na véspera do segundo turno das eleições. A acusação foi recebida, e o Supremo tornou a parlamentar ré.
Após as eleições, bolsonaristas inconformados com o resultado das urnas bloquearam rodovias país afora logo após o anúncio da vitória de Lula. Acampamentos foram montados em frente a quartéis das Forças Armadas. Esses movimentos desaguaram depois nos ataques golpistas de 8 de janeiro.
Procuradores da República nos estados se mobilizaram e criaram grupos para lidar com a situação dos bloqueios nas estradas, mas Aras foi contra a iniciativa pulverizada. Preferiu que a ação fosse centralizada em Brasília.
Na época, ele chegou a se reunir com Anderson Torres, então ministro da Justiça, e Silvinei Vasques, então chefe da Polícia Rodoviária Federal. Vasques —que está preso— e Torres hoje são alvos de investigações da Polícia Federal por supostamente terem atuado em prol dos movimentos antidemocráticos.
Apesar da postura durante a gestão Bolsonaro, o procurador-geral começou a acenar a Lula ainda nos primeiros dias do mandato.
Aras criou um grupo na PGR para responsabilizar os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro e designou o subprocurador Carlos Frederico Santos para a tarefa, e não a vice-PGR, Lindôra Araújo —nome na cúpula do MPF identificado com o bolsonarismo.
Outras sinalizações vieram, por exemplo, quando Aras revisou posicionamento da Procuradoria e passou a defender mudanças na Lei de Estatais para permitir nomeações de políticos, tema de interesse do atual governo.
O procurador-geral esteve em meados de agosto no Planalto para conversar com Lula. Disse que estava à disposição para seguir no posto se esse fosse o desejo do mandatário. O petista afirmou nesta segunda que não tem pressa de fazer a indicação do substituto.
Elizeta, interina no comando da PGR, foi designada para o posto de corregedora-geral do MPF em outubro de 2019, logo após a posse de Aras para seu primeiro mandato.
Ela coordena colegiado na estrutura da Procuradoria responsável pelo controle externo da atividade policial. Elizeta foi 1 dos 3 signatários do pedido de investigação contra Silvinei Vasques.