Ars est homo additus naturae*

Nesta época do ano, quando floresce a pedra d’água sobre montanhas de entulho, é preciso reduzir as expectativas, diminuir os discursos e modelar na face da Lua o espírito cambiante do magro poema. Há algo de ligeiramente disforme no ar que leva os olhos a procurar a guerra. E eu continuo insatisfeito com tudo. Com o andamento do Brasileirão, com as músicas, com essa coisa chata que está pegando e que se chama ‘atual conjuntura política e econômica’. E, principalmente, com a enxurrada de besteiras que assola a internet.

De trezentos e-mails, duzentos e cinquenta falam de como é importante a ‘amizade’, de quão solícitos e bondosos são os amigos, de como é bom ter a mão de um amigo por perto, de gente que adiciona a gente como amigo em um site qualquer, etc. E tudo com fotos de animaizinhos bonitinhos em atitudes que pretendem enternecer. E já descobri que os fazedores dessas mensagens nunca sabem como terminar. Sempre que acabam as fotos, ainda tem conselhos e lembretes. E o indefectível ‘repasse para seus amigos’. E eu vi uma revista que fala das novelas da Globo. Nas quatro chamadas de capa só coisas ruins: Fulana joga o carro em cima da Beltrana, Sicrana rouba o amor de Troiana, Gregoriano tenta matar Uruboiana, Sorana deixa o Boiano na miséria.

Coisas tão instrutivas e comoventes, não? E estou lendo o livro do Caetano (Verdade Tropical) e vendo que tudo não passou de ilusão e a garota do Ipanema agora vai a baile funk. A famosa utopia de ‘dar novos caminhos para a Música Popular Brasileira’ virou em forró, hip-hop, rap, tecno, sertanejo universitário e MTV. É nóis na rave! As rádios esqueceram tudo em nome da folia do jabaculê. As rádios estão nas mãos dos políticos e evangélicos. E eu aqui fico pensando que não é preciso estar atento e forte. Não é preciso aprender a ser só.

Não é proibido proibir. Ah, esqueci de dizer que os outros cinquenta e-mails são de coisas aleatórias, fotos engraçadas e nada de papo pessoal.  Undisclosed recipient e bocas fechadas. E Bacon disse: * ‘A arte é o homem adicionado à natureza’ e por isso o território da arte já está com superhipermegapopulação – virou Xangai!

*Rui Werneck de Capistrano é beletrista beligerante

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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