Arthur, mas pode me chamar de Fluminense Moreira Lima – final

Outra história do Arthur: Na primeira vez que veio a Curitiba ficou hospedado num hotel da Comendador Araújo, que existe até hoje. No restaurante, viu uma loira estonteante e ficou morrendo de tesão. Para fazer a corte, chamou o maitre, encomendou uma garrafa de champanha para ser entregue à moça, com um cartão, dizendo que estava hospedado no 201. A loira recebeu a surpresa, escreveu no mesmo cartão, dizendo que era executiva de São Paulo e uma mulher casada. Agradecia, coisa e tal, mas terminava dizendo não estar interessada. Terminado o jantar, passou na mesa do Arthur e, sem sorrir, agradeceu o mimo. O Arthur terminou o repasto, foi convidado pelo maitre a dar uma canja no piano do bar. Ao chegar lá, deu de cara com a loira. Chamou o garçom e pediu que ele fosse até a loira para que ela escolhesse uma música. O garçom voltou e disse que a senhora fulano de tal tinha escolhido o Bolero de Ravel. Arthur se entusiasmou, já sabia o nome do tesão. Não se fez de rogado e por 17 longos minutos executou, sem partitura, a referida peça.

Terminada a execução, a loira passou pelo Arthur, agradeceu mais uma vez, e subiu para o apartamento. Moreira Lima esperou longa meia hora, foi na recepção e, com uma nota de 50 na mão, perguntou ao atendente qual o número do apartamento da senhora fulano de tal. O atendente pegou a nota discretamente, enfiou no bolso e disse: 803.

Arthur pegou o elevador e bateu no 803. A loira, já de penhoar, abriu uma fresta da porta e quando viu o Moreira Lima lascou: “Meu senhor, já vi que é insistente. Caso consiga trazer um piano para o meu quarto e executar o Bolero de Ravel só prá mim, eu dou! O problema agora é seu!”

Moreira Lima desceu o foi na recepção. Pediu para falar com o gerente. O mesmo, solícito, perguntou o que ele desejava. Arthur disse: “Preciso que o senhor pegue o piano do bar e leve para o 803!”. O gerente, dando risada, respondeu: “Meu senhor, o piano não passa pela porta do elevador, é de cauda. Teríamos que contratar uma empresa com guindaste. Sairia uma fortuna e nessa hora nenhuma está aberta. Além do mais, tenho dúvida de que o piano passe pela janela dos nossos apartamentos. Seu pedido é impossível!”

Arthur Moreira Lima entrou em desespero e para sossegar o facho saiu prá rua e começou a andar a esmo por mais ou menos uma hora. Voltando pro hotel, enxergou a Brincalhão, uma loja de brinquedos que ficava na frente do hotel. Foi até a vitrine e ficou entusiasmado com o que viu: um pianinho azul de criança, marca Hering, que o Arthur sabia que executava todo o dó-ré-mi-fá-sol-lá-sí. Voltou à recepção e perguntou a que horas a Brincalhão abria. Recebeu a resposta de que às 8. Foi pro piano bar, pediu um bule de café preto bem forte, para espantar o sono, e ficou tocando o Bolero de Ravel até quase às 8 da matina.

7:55 estava na frente da loja. As 8:05, bateu na porta do 803. A loira, depois de um tempo para se recompor do sono, abriu e quando viu o Arthur com o pianinho na mão, caiu na risada, e mandou o Moreira Lima entrar. Disse que estava com fome, mandou pedir café da manhã para dois. Alimentados, a loira deitou na cama e disse ao Arthur: “Toca o Bolero até o fim!”. Moreira Lima não teve dificuldade nenhuma e tocou a peça inteira. Aí quem ficou com tesão foi a loira, arrancou a roupa do Arthur e foram prá cama.

Passaram o dia e a madrugada do dia seguinte trancafiados no 803. Pediram o almoço, o lanche da tarde e o jantar no quatro. Os hóspedes do hotel foram brindados com mais 12 vezes de Bolero de Ravel.

Na viagem o Arthur, ou Fluminense, como queiram, me disse que tinha um sonho de fazer um recital em Chopinzinho. Disse a ele que o nome da cidade era por causa do pássaro. Ele respondeu que não importava e pediu que eu desse uma sondada com o pessoal da cidade. Na volta a Curitiba, pedi informações com a Coordenadoria de Ação Cultural da Secretaria da Cultura. Responderam que a cidade tinha uma Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Liguei e pedi para falar com o(a) Secretário(a). Atendeu uma senhora, muito solícita, professora, que era a responsável pela pasta. Contei a história. No início, ela não entendeu nada, expliquei então, clamando a Deus por paciência, que eram Chopin, Arthur Moreira Lima e a vontade dele de fazer um concerto na cidade. Ela disse que no auditório do colégio das Irmãs havia um piano e que iria falar com o prefeito. Afirmou que antes das cinco da tarde me dava uma resposta. Estou esperando a resposta até hoje.

Arthur Moreira Lima, aos 80 anos, continua na estrada, literalmente, até hoje. Tem um caminhão que se transforma em palco e roda por todo o Brasil. Numa vez, no Costão do Santinho, onde passava um feriadão com a minha esposa, vi o caminhão no estacionamento e perguntei na portaria se haveria um concerto marcado. Disseram que naquela noite, na praça da frente do hotel, Moreira Lima se apresentaria, com entrada franca, a Prefeitura de Florianópolis estava bancando o concerto. Foi espetacular. Atacou de Chopin a Ernesto Nazareth. De Tchaikovsky a Pixinguinha. De Liszt a Ney Matogrosso. No final, pensei em ir falar com o Arthur. No meio do caminho, desisti. Fiquei com medo que ele se lembrasse e me cobrasse pela apresentação em Chopinzinho.

P.S. – O curitibaníssimo violinista Gustavo Surgik, filho do meu saudoso professor de direito romano Aloísio Surgik, de quem depois tive a honra de ser colega de magistério, passou pelo Tchaikovsky e foi devidamente medalhado. Até tempos atrás, era e penso que ainda seja, Konzertmeister des Staatsorchesters Stuttgart e Konzertmeister im Orchester der Ludwigsburger Festspiele. Há uns dois anos, apresentou-se como solista da Orquestra Sinfônica do Paraná. Foi um concerto memorável.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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