Dava uma vista d’olhos nas minhas prateleiras de antiguidades… Como, minha senhora? Se agora passei a colecionar relíquias? Não, referia-me à estante de livros, aqueles objetos em acelerado processo de extinção e que, por isso, já começam a se tornar velharias ou raridades, capazes de interessar apenas a alguns poucos saudosistas…
Mas, como eu dizia, antes da necessária explicação, estava dando uma olhada nos livrinhos que ainda enfeitam a minha casa quando deparei com o saboroso opúsculo intitulado “A Última Coisa que eu Pretendo Fazer na Vida é Morrer”, da lavra de Ciro Pellicano, que me fora gentilmente presenteado, alguns anos atrás, por dona Flora Maria Lins de França, recentemente falecida.
Para quem não sabe, o paulista Ciro é publicitário, aliás um dos melhores publicitários que este país já teve – foi diretor de criação da MPM, então a maior agência de publicidade do Brasil. Também estudou Direito, viajou pelo mundo todo, morou muitos anos em Roma e em Nova York. Não sei se ainda vive nos States, creio que sim.
Conta ele que, tendo exercitado, durante anos a fio, como publicitário, o “fascinante ofício da síntese”, de repente já não conseguia mais escrever uma carta com mais de cinco linhas nem manter uma conversação que excedesse trinta segundos. Por isso, retornou para o papel, que, segundo afirma, aceita tudo.
Desde que li Pellicano pela primeira vez, fiquei fã dele e gostei demais da coleção de citações de “frases essencialmente supérfluas (ou superfluamente essenciais)” apresentada por ele, com competência e extremo bom-humor.
“A Última Coisa que eu Pretendo Fazer na Vida é Morrer” (Editora Codex) é uma edição de 2003, mas talvez ainda seja possível encontrá-la em algum dos sebos da cidade ou através do site Estante Virtual.
Como neste mês de comemorações natalinas entendi por bem vedar neste espaço comentários sobre política, economia e outros desfortúnios do gênero, valho-me do ensejo para render aqui nova homenagem ao bom Ciro Pellicano, extraindo do seu citado livro alguns exemplares esparsos do talento do autor, para deleite dos meus 15 leitores:
- “O homo sapiens surgiu na África. Mas, assim que ficou um pouquinho mais sapiens, emigrou para a Europa.
- Consumo conspícuo é você comprar um dicionário só para saber o que a palavra significa.
- Ponto facultativo: Sinal ortográfico de uso não obrigatório.
- Nasci com um dom, mas era só um sino da igreja marcando uma da manhã.
- Era uma família de estrutura tão baixa que, em vez de árvore genealógica, tinha um arbusto.
- Os homens são de Marte, as mulheres são de Vênus. E os milhões de idiotas que compraram o livro são aqui da Terra mesmo.
- A televisão costuma exigir só 25% do coeficiente de inteligência dos telespectadores, cifra que na maioria dos casos representa 100% do que eles possuem.
- Superior hierárquico: Um ser inferior.
- Casamento: Instituto jurídico pelo qual duas pessoas decidem dividir o leito até o momento de dividir os demais bens.
- Diga não aos poderosos, mas tome o cuidado de não ser ouvido.
- O poder só sobe à cabeça quando encontra o local vazio.
- Como já destruiu a sua, o alcoólatra bebe sempre à saúde dos outros.
- Avó: Uma mãe que o fogo baixo do tempo tornou mais saborosa.
- Toda vez que ouço falar de alguém que tenha morrido por falência múltipla dos órgãos, fico sem saber se a expressão se refere ao doente ou ao sistema de saúde.
Depois de “A Última Coisa que eu Pretendo Fazer na Vida é Morrer”, Ciro Pellicano lançou “Atingi a Sabedoria, mas só de Raspão” (Editora Ornitorrinco). Antes, já “cometera” outras publicações, como “Quando o Poder Corrompe, Corrompe até não mais Poder” (Global) e “As Pessoas ficam Insuportáveis quando eu Bebo” (Editora Da Boa Prosa). Todas com frases e pensamentos de sua própria autoria e todas saborosas.