Não havia meias e muito menos chaminé naquele muquifo que fedia a repolho azedo e onde o esgoto atravessava o quintal num corguinho. Só soube o que era ceia muito tempo depois. A figura eu via de vez em quando. Aquele calor do cão e ele lá com a barba enorme, a roupa vermelha de feltro, um saco pendurado nas costas. Inocente, pensava com as duas mãos nos bolsos da calça curta: mas que porra é essa? Sim, falava palavrão porque assim era e assim sempre foi lá em casa. Quando revelaram a jogada, fiquei puto: o mundo está perdido porque começam a mentir logo cedo para as criancinhas ainda puras. Agradeci meu pai por ele não ter se inventado Papai Noel. Nunca me deu um presente, mas me deu a vida, junto com minha mãe – e segurou a barra enquanto pode. Um dia, já adulto, perguntei de que forma ele tinha matado o velhinho. Ele arregalou os olhos azuis e não respondeu nada, porque aquilo era língua estranha. Acho que foram os antepassados dele que fizeram o serviço. Muito bem feito, aliás. Coisa que recomendo aos que estão aí vendo o barbudo como garoto propaganda alucinado do consumismo ensandecido de agora.
Sobre as renas que puxavam o trenó desde a casa do cacete, até hoje tenho dúvidas se elas dariam um bom churrasco ou não. Lá no cortiço, se aparecessem, todo mundo ia esquecer a enganação dos presentes. Não ia sobrar nem os olhos – só as galhas, para enfeite.