Houve os que se desesperaram, considerando que Lula é vítima de um complô da classe dominante. Entendo. De qualquer forma, somos sempre todos vítimas de distorções cognitivas induzidas por nossas emoções e crenças. Enxergamos sobretudo o que confirma nossas próprias pré-concessões (é o que os psicólogos chamam de “viés de confirmação”).
Outros se regozijaram como se fosse a melhor terça de Carnaval da vida. Em geral, compensamos nossas frustrações odiando qualquer outro que alcance o que ele queria —é o viés do carniceiro: não somos toureiros e, por isso, assistimos uma corrida de touros na esperança de que o toureiro seja encornado.
Mas, com algumas exceções, pareceu-me que os que festejavam fossem menos numerosos, menos barulhentos e talvez menos felizes do que eles mesmos esperavam ser.
O que me leva ao terceiro grupo. Distantes dos aflitos e dos festeiros, encontrei muitos que (como a maioria) consideraram justificada, se não justa, a prisão, mas não festejaram: ao contrário, eles ficaram profundamente tristes. Eu me sinto próximo desses, porque a notícia da prisão de Lula me deixou triste.
Triste por Lula estar na prisão? Bom, a idade do preso condiz dificilmente com o rigor da prisão; talvez por eu estar envelhecendo, até a prisão de Paulo Maluf, no ano passado, me deu pena.
Mesmo assim, acho que a tristeza não foi por Lula, mas pelo Brasil, que é minha casa. Fiquei triste pelo fracasso que a prisão de Lula representa: fracasso do Brasil, fracasso nosso, de todos e para todos.
Claro, o próprio Lula, nesta altura, diria que o governo dele não foi fracasso algum e que “nunca antes neste país” etc. Tudo bem, talvez nunca antes neste país um presidente tenha sido tão preocupado com a sorte dos mais desfavorecidos. É possível, mas não foi suficiente.
Passei o fim de semana após a prisão revendo os debates e aos jingles de campanha desde 1989: Lula lá, Sem Medo de ser Feliz…
Lembrei-me, detalhadamente, daquele domingo de novembro em que parecia que ele poderia ganhar. Com Marcelo Vinãr, amigo uruguaio que me visitava naqueles dias, percorri Porto Alegre (onde eu morava): as bandeiras, o gesto do polegar e indicador para desenhar um L, as buzinas, os sorrisos nas ruas.
Muito além do entusiasmo partidário dos petistas, havia no ar uma enorme esperança, de um país menos desigual, mais digno, onde todos viveríamos melhor.
É o fim dessa esperança que me entristece com a prisão de Lula —tanto mais por ser um fim envergonhado, de rabo entre as pernas.
A tristeza vem com uma ponta de irritação: o governo que carregava a esperança de tantos, se não de todos, não soube (ou não quis) transformar o molde de nossas eternas repetições –por insuficiência, por incompetência e talvez simplesmente por falta de coragem.
O molde brasileiro é complexo. Uma de suas componentes essenciais é uma “Elite do Atraso” (como lembra Jessé de Souza, Leya), a qual se constituiu numa colonização saqueadora e na invenção de um modo de produção escravocrata.
Como já escrevi anos atrás (“Hello Brasil!”, que atualizei agora, Três Estrelas), essa elite não veio para criar um país e fomentar a existência de seu povo —veio para se enriquecer (e, eventualmente, levar o butim embora).
Outros diriam que o aspecto essencial é a falta de limites entre público e privado. De fato, esse “outro” aspecto é só corolário do anterior: para a elite saqueadora não há bem comum, não há comunidade de destino, não há interesse da nação —não há nação. Para essa elite, o Estado é um dispositivo que ela compra e vende para estender seu poder sobre o povo e as coisas.
Exemplo. Nos anos 1980, conheci um empresário brasileiro preocupado com a importação (do Oriente) de produtos análogos mas muito superiores aos dele. Perguntei se não poderia modernizar, formar melhor sua mão de obra e competir. Ele me disse que seria bem mais em conta distribuir dinheiro a políticos que instaurassem impostos de importação sobre os produtos concorrentes.
Os governos do PT tentaram corrigir a miséria produzida pelas elites saqueadoras; infelizmente, talvez para se manter no poder, eles continuaram usando o Estado como um mercado de interesses privados ou partidários.
E a esperança de um novo Brasil foi para o brejo.