Um dia, alguém nos perguntará como aturamos viver sob Bolsonaro por tanto tempo
Há dias, numa roda de amigos que falavam dos 21 anos da ditadura (1964-1985) e de como os militares tinham vergonha de sair à rua fardados, o filho adolescente de um de nós perguntou: “Se eles eram tão impopulares, por que vocês deixaram que ficassem tanto tempo no poder?”.
Boa pergunta e difícil de responder. Alguém explicou que os militares não estavam sozinhos, que contavam com civis dispostos a alterar e corromper as instituições para lhes dar respaldo jurídico. Que, em certo momento, rapazes e moças, com coragem e ingenuidade suicidas, pegaram em armas para tentar derrubá-los, mas foram esmagados à custa de prisão, tortura e mortes; e que, em outro, fomos às ruas aos milhões exigindo eleições diretas —em vão. Derrotados, conformamo-nos em esperar que os milicos se cansassem e nos devolvessem o país.
No futuro, outro adolescente perguntará por que aturamos viver sob Jair Bolsonaro durante quatro anos se, já no dia de sua posse, em 2019, ele declarou que iria destruir tudo para depois “reconstruir”. Significava fazer do Brasil ruínas e imperar sobre elas no primeiro mandato e, no segundo, consolidar uma nova ordem legal de modo a se eternizar no poder. Para tanto, Bolsonaro passou quatro anos nos ameaçando com o Exército (o “seu Exército”), o feitor armado a seu serviço, pronto a um golpe para nos enquadrar.
Um dia, de fato, a constatação de que o Exército se deixou usar por um desclassificado será uma resposta. Mas não a única. Deveremos olhar para nós mesmos e perguntar por que, quando a situação exigia, não saímos às ruas para protestar, promover comícios, denunciar as fake news, apoiar a imprensa independente, a CPI da Covid e os ministros do STF e do TSE, chamar os liras e aras pelos nomes que mereciam, enfim, mostrar que existíamos —como os bolsonaristas de então e até hoje.