Atos e palavras

Vandalismo golpista em Brasília deve ser punido com rigor, mas MP que propõe regulação de postagens em redes sociais é temerária

O governo federal está de fato preocupado com o que as pessoas falam nas redes sociais. Além de criar a Procuradoria de Defesa da Democracia da Advocacia Geral da União (AGU), para combater a desinformação contra políticas públicas, o Ministério da Justiça lançou um pacote de medidas antigolpismo, incluindo uma Medida Provisória (MP) que regula postagens em plataformas online.

Após o ataque bolsonarista em Brasília, parece tudo muito louvável, mas devemos ter cuidado com o impulso punitivista que costuma surgir após eventos extremos. Foi assim com o 11 de Setembro. O governo dos EUA implementou normas que infringiram direitos individuais e provocaram prisões ilegítimas.

Apuração da Folha revelou que a MP pretende impedir a disseminação de conteúdo que viole a Lei do Estado Democrático de Direito, como pedir a deposição do governo. Contudo, a lei diz que o crime é “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça”. Ou reescreve-se o texto ou será necessária interpretação bastante elástica para que uma postagem no Twitter que proponha golpe militar seja uma tentativa violenta de ruptura institucional.

A lei do Estado Democrático de Direito é oriunda da Lei de Segurança Nacional, uma excrescência do regime militar, que foi usada tanto por Bolsonaro para intimidar seus críticos quanto pelo STF para punir bolsonaristas como Daniel Silveira.

Assim, parte da esquerda aprecia a medida, mas ignora que, dado o subjetivismo, pode vir a ser alvo dela. Afinal, há quem peça o fim da democracia burguesa e pregue a ditadura do proletariado. Alega-se que tal retórica não tem apoio popular. Mas o vandalismo em Brasília teve? Segundo pesquisa do Datafolha, 93% dos brasileiros são contra; entre quem votou em Bolsonaro, são 86%.

Leis são universais, não podem valer apenas para nossos inimigos. O poder também muda de mãos e nunca se sabe quem baterá o martelo amanhã. Detalhes geralmente esquecidos quando se trata de liberdade de expressão.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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